O esforço que se pede aos médicos é maior ainda do que o que se solicita aos cidadãos
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A posição dos médicos na sociedade divide argumentos, cenários e opiniões.
Em Portugal parece ser reconhecido historicamente que aos médicos se lhes atribuía, para além do "poder" de receber as vidas confiadas, um capital de conhecimento e de saber infindáveis, bem como um sentido ético que deles fazia, quantas vezes, verdadeiros juízes de paz.
Culturalmente, a proximidade não se confundia com o desrespeito e a acessibilidade não dava lugar à banalização do relacionamento médico-doente.
Mas os tempos passaram depressa e o sentido da proletarização da classe médica acabou por abrir as portas a um outro tipo de posicionamento sociológico dos médicos nas comunidades.
É verdade que muitas famílias e terras passaram a ter filhos que com esforço e dificuldade variáveis, obtiveram as suas licenciaturas em Medicina, num movimento que, de resto, mais tarde e mais amplamente, foi acompanhado de outros sinais ditos de modernidade nos costumes e nas razões.
O maior acesso ao ensino, a par dos apoios sociais e do desenvolvimento económico, abriu novas portas, estradas e caminhos. As faculdades de Medicina depois de terem até, após a revolução de Abril de 74, fechado as portas sem admissão de novos alunos, recomeçaram paulatinamente a admitir novos estudantes, entretanto mais ainda por força da criação de novas escolas médicas, designadamente, fora das tradicionais universidades do Porto, Coimbra e Lisboa.
Como sempre e como em tudo, a qualidade acaba pervertida pelo número e o aumento brutal do número de médicos - estamos em 2013 já às portas do desemprego médico - basta lembrar que temos nesta altura cerca de 10 mil médicos internos em distintas fases de formação...
Talvez por isso, também, se explique - será que se justificará alguma vez - desvios ou desmandos que caíram em terreno de ilegalidade ou acção penal.
É sempre cómodo ou fácil atirarmos as culpas para outros ou até simples e prático, fecharmos os olhos ou alhearmo-nos do que nos pode verdadeiramente incomodar ou despertar.
Aos médicos, a principiar pelos seus próprios dirigentes associativos de classe, compete recuperar o tal capital perdido...
Se possível, diria eu, sem seguir o modelo a que o país recorreu, o da perda de autonomia e submissão a uma qualquer troika que nos venha limitar as opções e impor os trajectos e escolhas ou proibir os sonhos.
O esforço que se pede aos médicos é maior ainda do que o que se solicita aos cidadãos.
Há que reencontrar o sentido mais nobre dos nossos deveres e obrigações, profissionais e éticas, no tratamento dos nossos doentes e na relação com eles, seus familiares e cuidadores.
Mas também na dignificação da articulação com outros profissionais de saúde, na perspectiva correcta de que o desempenho clínico é a cada dia mais pluridisciplinar.
Os doentes, como cidadãos e contribuintes, por exemplo, não devem ser ou servir como escudos ou moedas de troca em disputas com farmacêuticos, ainda que na defesa coerente, pelos médicos, dos seus próprios interesses.
A classe médica precisa de reconquistar o respeito que as suas comunidades lhes reconheceram e concederam no passado, não tão longínquo assim.
Mas mais do que o respeito, precisa de, absolutamente, ganhar a confiança que o juramento hipocrático nunca perdeu de vista...
Rui Cernadas
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Sou do tempo em que, na Zona Centro, não se conhecia a grelha de avaliação curricular, do exame final da especialidade. Cada Interno fazia o melhor que sabia e podia, com os conselhos dos seus orientadores e de internos de anos anteriores. Tive a sorte de ter uma orientadora muito dinâmica e que me deu espaço para desenvolver projectos e actividades que me mantiveram motivada, mas o verdadeiro foco sempre foi o de aprender a comunicar o melhor possível com as pessoas que nos procuram e a abordar correctamente os seus problemas. Se me perguntarem se gostaria de ter sabido melhor o que se esperava que fizesse durante os meus três anos de especialidade, responderei afirmativamente, contudo acho que temos vindo a caminhar para o outro extremo.