Portugal é um dos poucos países da União Europeia (UE) onde não existe a especialidade de Medicina de Urgência e Emergência. Trata-se de um debate "adiado" e de uma "reivindicação antiga" que a atual crise pandémica do novo coronavírus poderá acelerar, segundo o médico do Serviço de Urgência do Hospital de São João (HSJ) Nelson Pereira.
O médico, que conta com passagens por outros territórios e missões, trabalha no HSJ, no Porto, "há vários anos" e tem experiência em cenários de catástrofe.
"Acreditamos, neste hospital, que devia existir uma especialidade no nosso País que ainda não existe – e somos um dos únicos da UE que a não tem – que é a especialidade de Medicina de Urgência”, disse Nelson Pereira à agência Lusa, acrescentando que “em termos europeus esta especialidade está perfeitamente definida e contempla também a resposta em catástrofes”.
O médico de Medicina Interna, que em 2000 trabalhou em Moçambique, em 2003 no Irão e em 2016 na República Centro-Africana, contou que "foi necessário remodelar todo o Serviço de Urgência (SU) e o próprio hospital" para uma "situação completamente nova" que configura "verdadeiramente uma situação de catástrofe", que é a pandemia de Covid-19.
"As necessidades que sentimos no pico pandémico foram necessidades que nunca os serviços de urgência do nosso País tinham sentido. Foi necessário reformular espaços, estratégias, equipamento, mudar os processos, reforçar os recursos humanos. Isto, no HSJ, foi relativamente fácil e possível porque, ao contrário da maior parte dos restantes hospitais, dispomos de uma equipa de médicos que se dedica total e permanentemente ao SU. Também fomos o hospital que primeiro sofreu esta pressão. Pudemos de alguma forma alumiar o caminho para outros hospitais que sofreram uma onda um pouquinho à frente", descreveu o médico.
Mas, para Nelson Pereira, que também já trabalhou no Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) e na Cruz Vermelha Internacional, ao mesmo tempo que a pandemia mostra que "foram os médicos da urgência que lideraram estes processos transversalmente na UE e globalmente no mundo", também mostra a Portugal que falta a especialidade de Medicina de Urgência, da qual faz parte a resposta em catástrofes.
Mais de dois meses depois do primeiro caso de infeção em Portugal, após ter sido renovado por três vezes o estado de emergência e com o país desde domingo em situação de calamidade, a tenda amarela instalada no espaço exterior do HSJ que serviu de "frente" à "batalha" Covid-19 está encerrada há 15 dias, mas mantém-se de pé perante "a incerteza das próximas semanas".
"Podemos não atingir novamente os números de pico da [doença], porque acreditamos que as pessoas terão formas de estar em público diferentes, que vão ter um cuidado diferente, mas tudo vai depender de como as coisas evoluírem com a diminuição das medidas de confinamento", referiu à agência Lusa a diretora do SU, Cristina Marujo.
Já Nelson Pereira confessa estar "expectante" de que "o desconfinamento não venha a provocar um aumento significativo do número de doentes Covid-19", mas conta que "a estratégia, neste momento, passa por manter toda a estrutura [de recursos materiais e humanos] que foi dedicada à resposta Covid em alerta e em permanência para poder de um momento para o outro ser reativada".
"Muito cautelosos" é, em síntese, como estes dois médicos se descrevem. Ambos trabalham num hospital que se diferencia por ter uma "Equipa Dedicada do Serviço de Urgência", uma equipa constituída por um grupo de médicos chamados de emergencistas, que prestam todo o horário no serviço, repartido por vários setores.
A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.