Quais as principais causas da doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC)? Que papel ocupa o médico de família (MF) no acompanhamento destes doentes? E há, ou não, relação entre a Covid-19 e a DPOC? Estas foram algumas das questões às quais o especialista em Medicina Geral e Familiar (MGF) Tiago Maricoto respondeu, em entrevista ao Jornal Médico.
“O tabagismo é, inevitavelmente, um dos fatores associados à DPOC”, afirma o MF e membro da direção da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) Tiago Maricoto, que salvaguarda que há outras situações que podem contribuir para o desenvolvimento desta patologia. Trabalhar em indústrias como as de biomassa, de poerias, ou a mineira, são exemplos disso, devido à exposição a poluentes ambientais e a produtos químicos. “O que acontece é que estes fatores e a exposição a agentes que agridem os pulmões, ao longo dos anos, vão levar à inflamação das vias aéreas e essa inflamação vai fazendo com que os pulmões comecem a produzir muita secreção, muito muco, e os brônquios começam a defender-se, diminuindo – digamos assim – o seu calibre. Portanto, perdem a dilatação normal, levando a uma obstrução que impede a entrada do ar de forma adequada nos pulmões”, explica o especialista.
Os principais sintomas da DPOC são cansaço, dispneia e tosse persistente e produtiva de muco. No entanto, “os doentes podem passar muitos anos a desenvolver a doença e a perder capacidade de ar, sem terem grandes sintomas pelo que, muitas vezes, quando aparecem na consulta pode já ser tarde demais”, alerta o médico. Por sua vez, esta patologia pode levar ao desenvolvimento e ao agravamento de outras doenças: “Frequentemente, os doentes com DPOC têm mais predisposição para ter excesso de peso, hipertensão arterial e apneia do sono, por exemplo”.
E que papel ocupa o MF no acompanhamento destes doentes? “É, provavelmente, o profissional que está mais bem colocado para acompanhá-los”, responde Tiago Maricoto, justificando que este é um elemento importante na prevenção, no diagnóstico e no seguimento, a longo prazo.
Consciencializar e pedir às pessoas para deixarem de fumar, para usarem proteções nos seus locais de trabalho e para fazerem exercício físico são as primeiras medidas a tomar, nos doentes saudáveis, mesmo antes de desenvolverem DPOC. É também fundamental que o MF esteja atento e faça um diagnóstico precoce para prevenir o agravamento da doença e, quando confirmado, deverá seguir o doente, garantindo “uma avaliação de sintomas, da função respiratória e pulmonar, através da realização de exames”.
O especialista em MGF frisa ainda a importância da parceria estabelecida com pneumologistas, pois os doentes podem precisar de “intervenções mais diferenciadas, como a reabilitação respiratória, ou a desabituação tabágica”, que requerem uma gestão partilhada.
Apesar de não existirem muitos estudos sobre a doença, em Portugal, o MF da Unidade de Saúde Familiar (USF) Aveiro-Aradas refere que o panorama epidemiológico verificado não é muito diferente do de outros países. “Um estudo muito recente, realizado na região de Lisboa, numa população mais adulta, revelou que, de facto, os números de prevalência em alguns locais podem atingir até 14% da população, sendo que, provavelmente, a prevalência global deverá andar por volta dos oito a 10%”, afirma, ressalvando que, ainda assim, se trata de uma em cada dez pessoas. Por outro lado, e embora tenha “alguma prevalência no país”, o clínico considera que a DPOC está “muito subdiagnosticada”, devido ao “desconhecimento da população e de alguns profissionais de saúde, e à falta de recursos”, sobretudo, à espirometria, que é “essencial para o diagnóstico”.
DPOC E COVID-19: QUE RELAÇÃO?
No atual contexto pandémico, os doentes com DPOC apresentam um maior risco de terem uma complicação grave se infetados pelo vírus SARS-CoV-2, mas não se encontram em maior risco que a população em geral de contrair a doença. “O que acontece é que o seu sistema respiratório é muito mais debilitado e não tem a mesma capacidade e a mesma performance funcional para responder de forma eficaz a uma infeção”, sustenta.
A pandemia obrigou também à reorganização dos serviços, mas Tiago Maricoto afirma que o acompanhamento dos doentes se manteve, apesar de ter sido garantido, em grande parte, à distância, por via de e-mail, telefone ou videochamada. O médico refere ainda a importância de serem mantidas as terapêuticas, sublinhando que não há problema em fazer terapia com corticoides ou qualquer outro fármaco, pois ter a DPOC “bem controlada”, aumenta a probabilidade de “sucesso” no combate da infeção.
Em termos de terapêutica, são várias as opções à disposição dos clínicos, devendo a escolha da mesma deve ser adaptada ao “perfil e ao historial” de cada doente. Além das intervenções não farmacológicas, as terapêuticas farmacológicas integram dispositivos inalatórios, fármacos broncodilatadores – “que são medicamentos que fazem dilatar as vias aéreas, para que o fluxo de ar consiga ocorrer com mais facilidade e permita respirar melhor” –, havendo ainda casos em que são necessários corticoides “para diminuir a inflamação das vias aéreas”. Já nos doentes mais graves, pode ser necessário recorrer a combinações de vários fármacos, conclui o MF.
Os últimos meses foram vividos por todos nós num contexto absolutamente anormal e inusitado.
Atravessamos tempos difíceis, onde a nossa resistência é colocada à prova em cada dia, realidade que é ainda mais vincada no caso dos médicos e restantes profissionais de saúde. Neste âmbito, os médicos de família merecem certamente uma palavra de especial apreço e reconhecimento, dado o papel absolutamente preponderante que têm vindo a desempenhar no combate à pandemia Covid-19: a esmagadora maioria dos doentes e casos suspeitos está connosco e é seguida por nós.