Sociedades portuguesas apresentam posição conjunta acerca da comparticipação dos medicamentos para o tratamento da diabetes
DATA
09/12/2022 12:54:35
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Jornal Médico
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Sociedades portuguesas apresentam posição conjunta acerca da comparticipação dos medicamentos para o tratamento da diabetes

Entidades como Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, Sociedade Portuguesa de Diabetologia, Núcleo de Estudos da Diabetes Mellitus da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna e Grupo de Estudos em Diabetologia da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar apresentam posição sobre a limitação da comparticipação dos medicamentos  para o tratamento da diabetes – agonistas do recetor do GLP-1 Recentemente as Autoridades de Saúde implementaram uma limitação administrativa, prevista desde 2014, indicando a comparticipação dos agonistas do recetor do GLP-1 apenas  para pessoas com diabetes tipo 2 e índice de massa corporal acima de 35 Kg/m2. "Esta restrição não é compatível com a robusta evidência científica atual, nem com as recomendações para o  tratamento da diabetes das Sociedades científicas nacionais e internacionais. Estes  medicamentos, que incluem o exenatido, liraglutido, dulaglutido e semaglutido, demonstraram uma elevada eficácia no tratamento da diabetes, com efeitos benéficos sobre o  peso e redução de eventos cardiovasculares", lê-se em comunicado.  

A exclusão da comparticipação das pessoas com diabetes e índice de massa corporal menor  que 35 Kg/m2 terá consequências imediatas com implicações nefastas na saúde dos doentes  porque: 

1) O elevado custo do medicamento sem comparticipação levará a que a maioria  dos doentes não o possa continuar; 

2) A descontinuação do tratamento em doentes, que estão estáveis com estes  medicamentos, poderá levar a descompensações evitáveis e eticamente questionáveis,  que seguramente fragilizarão a relação de confiança entre o médico e o doente;

3) Um número substancial de pessoas com diabetes ficará privada dos efeitos  benéficos destes medicamentos, não só sobre o controlo glicémico, mas também sobre  o peso e risco cardiovascular, apenas por não se enquadrarem numa obesidade com  índice de massa corporal superior a 35 Kg/m2.  

Os agonistas do recetor do GLP-1 são uma classe de medicamentos com elevada potência no  controlo da diabetes tipo 2, com reduções da hemoglobina glicada aproximadamente entre 1  a 2%, podendo ser ainda mais eficaz em doentes com pior controlo metabólico inicial. O  excesso de peso e obesidade afetam 80 a 90% das pessoas com diabetes tipo 2 e têm uma interferência considerável na evolução, controlo e desenvolvimento de complicações da  diabetes; com esta classe de medicamentos observaram-se reduções do peso de 2 Kg até mais  de 6 kg nos ensaios clínicos, que foram confirmados, e em alguns casos ultrapassados, nos  estudos de vida real.  

Estima-se que 1/3 das pessoas com diabetes mellitus também tenham doença cardiovascular,  com um risco associado de morte por doença cardiovascular (a principal causa de morte nas  pessoas com diabetes mellitus) duas vezes superior à população geral. Além, do efeito no  controlo da glicemia e do peso, estes medicamentos têm efeito benéfico na doença  cardiovascular, reduzindo até 26% a ocorrência de morte de causa cardiovascular ou enfarte  não fatal ou acidente vascular cerebral não fatal. 

Alguns dos medicamentos desta classe reduzem ainda o agravamento da doença renal  associada à diabetes.  Esta evidência é o motivo pelo qual esta classe é, atualmente, considerada modificadora de  prognóstico. Estes resultados são provenientes de estudos onde o índice de massa corporal inicial médio  dos doentes incluídos foi entre 30 e 32,8 Kg/m2, ou seja, menor que o valor de corte de 35  Kg/m2. Acrescenta-se ainda facto de que os benefícios descritos se mantiveram  independentemente do índice de massa corporal do doente. Portanto, a evidência mostra  benefícios sobre o controlo da diabetes, peso e doenças cardiovasculares para doentes com  índice de massa corporal acima e abaixo de 35 Kg/m2. 

O que recomendam as sociedades científicas internacionais? 

A Associação Americana de Diabetes (ADA) e a Associação Europeia para o Estudo da  Diabetes (EASD), duas referências mundiais no estabelecimento das leges artis na diabetes,  recomendam que o tratamento da diabetes seja individualizado, tendo em conta as co morbilidades do doente, características clínicas e as indicações de medicamentos com  benefício para proteção de órgão (e.g., coração e rim). Neste sentido, além do controlo da  glicemia, são recomendados como alvos terapêuticos, por si mesmo, a redução do peso e a  redução do risco de doença cardio-renal, ou seja, a proteção de órgão.

Estas sociedades  recomendam que a utilização de medicamentos com o objetivo de proteção de órgão, como os  agonistas do recetor do GLP-1, deve ser independente da restante medicação que o doente  esteja a tomar e do nível de controlo da diabetes, e.g., hemoglobina glicada que o doente  apresente ou se pretenda atingir. Assim, os agonistas do recetor do GLP-1 são recomendados  como escolha preferencial em doentes com diabetes tipo 2, que beneficiem de perda de peso, que apresentem elevado risco cardiovascular ou apresentem já doença cardiovascular  isquémica estabelecida. De acordo com as associações internacionais de referência, esta  recomendação não discrimina os doentes em função do índice de massa corporal. 

O que recomendam as sociedades científicas Portuguesas? 

A Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo e a Sociedade  Portuguesa de Diabetologia, em colaboração com a Sociedade Brasileira de Diabetes e a  Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia estão a concluir a atualização das suas  recomendações conjuntas para o tratamento da diabetes. Este documento, que será publicado  em breve, vai em linha com as recomendações internacionais, onde o índice de massa corporal  acima de 35 Kg/m2 não é condição prévia para a prescrição dos medicamentos desta classe. 

Qual a indicação clínica aprovada pela Agência Europeia do Medicamento e pelo Infarmed?

A indicação terapêutica aprovada pelas Autoridades do Medicamento, nacionais e  internacionais, e constante no “Resumo das Características do Medicamento”, é o tratamento  da “diabetes mellitus tipo 2 insuficientemente controlada, como adjuvante à dieta e exercício 

  • em monoterapia, quando a metformina é considerada inapropriada devido a  intolerância ou contraindicações  
  • em adição a outros medicamentos para o tratamento da diabetes.” 

Portanto, também a indicação terapêutica aprovada pelas entidades nacionais competentes  vai em linha com a robusta e extensa evidência científica disponível e não considera o índice  de massa corporal acima de 35 Kg/m2 como condição necessária à sua prescrição.

As sociedades científicas que subscrevem este comunicado apelam ao governo que  reconsidere a implementação da limitação da comparticipação dos agonistas do recetor do  GLP-1 apenas a pessoas com índice de massa corporal superior a 35 Kg/m2 e alargue o acesso  a todos os doentes com diabetes tipo 2 que deles beneficiem, pela sua eficácia no  tratamento, pela melhoria do peso e pela redução dos eventos cardiovasculares.

O (Des)alento da Medicina Geral e Familiar no Serviço Nacional de Saúde
Editorial | Joana Torres
O (Des)alento da Medicina Geral e Familiar no Serviço Nacional de Saúde

A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.