Lúcio Meneses de Almeida: As profissões da Saúde Pública e a Saúde e segurança dos países
DATA
16/12/2022 12:04:05
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Jornal Médico
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Lúcio Meneses de Almeida: As profissões da Saúde Pública e a Saúde e segurança dos países

Leia a crónica de Lúcio Meneses de Almeida, médico Assistente Graduado de Saúde Pública e presidente do Conselho Nacional de Ecologia e Promoção da Saúde da Ordem dos Médicos, acerca da Saúde nas suas diversas dimensões. Saiba mais na edição 136 do Jornal Médico. 

No passado dia 9 de outubro, tive o prazer de participar remotamente num workshop organizado pela Federação Nacional dos Estudantes de Saúde (FNES), no âmbito do seu 2º congresso científico. 

A FNES é uma federação de associações de estudantes das diversas áreas da saúde – não só humana, mas também animal/veterinária. Ora, se há área do conhecimento e da intervenção que se ajusta a uma iniciativa inclusiva, como a referida, essa é a Saúde Pública. 

Nessa medida, considero ter sido da maior pertinência a disponibilização, aos participantes deste congresso, de um workshop intitulado “Noções de Saúde Pública”.

A saúde tridimensional (“one health”) foi um dos tópicos que abordei. A saúde, enquanto resultado, é entendida como a interceção da saúde humana, ambiental e animal. Mas, acima de tudo, consiste num resultado único (“uma só saúde”).

Constatei, com agrado, a presença de estudantes de enfermagem, psicologia e medicina veterinária, num universo de cerca de três dezenas de participantes. Quanto aos estudantes de medicina, não me apercebi da sua presença… 

O curso médico, em Portugal e na generalidade dos países, está enfocado na vertente curativa. Primária ou secundariamente, as especialidades clínicas conquistam a preferência dos recém-diplomados em medicina. 

Além de mais “glamorosas”, do ponto de vista tecnológico e do reconhecimento social, prevalece a subvalorização, pré e pós graduada, das áreas não clínicas, ainda que médicas.

Por outro lado - e à exceção dos profissionais abonados com um modelo remuneratório diferencial (USF modelo B) - o rendimento supletivo emerge como uma necessidade vital, face à grelha salarial praticada no âmbito do SNS. 

Tratar um doente tem uma valoração societal muito superior à da prevenção da doença. Desde logo, porque os ganhos são objectiváveis (transição de um estado de doença para não-doença/doença tratada) e com fácil nexo de causalidade. 

Em contrapartida, os cuidados preventivos, sobretudo os de âmbito populacional, são difusos no seu resultado. Não só se traduzem na manutenção do estado original (não-doença), como apresentam um nexo de causalidade dificilmente inferível porque cronologicamente obnubilável.

Desta forma, e não obstante o ato médico incluir o exercício de atividades preventivas e de promoção da saúde, de âmbito comunitário e populacional, continua a prevalecer, no seio da própria profissão, a visão clínico-individual, com a consequente menorização das áreas não-clínicas.

Portanto, um médico é aquele que trata doentes. E continuamos a ouvir a afirmação, plena de vigor ético-assistencial mas falha em pragmatismo sistémico, de que um médico não é um gestor.

Convirá referir que todo o médico é um gestor, pela simples razão de que gere os recursos que lhe são colocados à disposição. Por consequência, deve fazê-lo com base na dupla evidência de efetividade e de eficiência alocativa.

Aliás, esta obrigação “gestionária” está bem patente no Código Deontológico da Ordem dos Médicos: “o médico tem obrigação de conhecer os custos das terapêuticas que prescreve, devendo optar pelos menos onerosos”. Tal reflete a responsabilidade social do médico perante a comunidade e, neste particular, perante o sistema de serviços de saúde (sustentabilidade). 

Face aos custos crescentes dos cuidados de saúde e ao acentuado envelhecimento demográfico, exige-se uma perspetiva gestionária na formação médica; a esta, acresce a perspetiva populacional. 

Sendo as ameaças à saúde e segurança das populações marcadas por uma incerteza inerente, no respeitante à sua ocorrência e impacto potencial, a preparação e resposta em saúde pública impõe-se como uma obrigação dos países.

Os planos de contingência funcionam como verdadeiras “apólices de seguro”: não desejamos acioná-los, em termos de mobilização de meios e recursos, mas ficamos felizes quando, confrontados com um acontecimento adverso, constatamos estarem “em dia”…

Desta forma, promover as profissões da Saúde Pública, nas suas diversas áreas de exercício profissional, afigura-se como uma estratégia primordial à proteção da saúde e segurança. 

Mas para que tal aconteça, os curricula das escolas de saúde - médicas e não médicas, humanas e veterinárias - deverão valorizar as áreas do conhecimento relacionadas com a prevenção da doença. Destacam-se, no contexto em discussão (saúde e segurança das populações), as que têm objetivos primariamente populacionais.

Parabéns à Federação Nacional dos Estudantes de Saúde (FNES) pelo seu 2º congresso científico! Pela pertinência e atualidade dos temas debatidos, auguro os maiores sucessos em futuras iniciativas.

O (Des)alento da Medicina Geral e Familiar no Serviço Nacional de Saúde
Editorial | Joana Torres
O (Des)alento da Medicina Geral e Familiar no Serviço Nacional de Saúde

A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.