Sou do tempo em que, na Zona Centro, não se conhecia a grelha de avaliação curricular, do exame final da especialidade. Cada Interno fazia o melhor que sabia e podia, com os conselhos dos seus orientadores e de internos de anos anteriores. Tive a sorte de ter uma orientadora muito dinâmica e que me deu espaço para desenvolver projectos e actividades que me mantiveram motivada, mas o verdadeiro foco sempre foi o de aprender a comunicar o melhor possível com as pessoas que nos procuram e a abordar correctamente os seus problemas. Se me perguntarem se gostaria de ter sabido melhor o que se esperava que fizesse durante os meus três anos de especialidade, responderei afirmativamente, contudo acho que temos vindo a caminhar para o outro extremo.
O modelo actual de avaliação curricular promove uma corrida por certificados que forneçam a evidência de que se atingiram os objectivos dos vários itens da grelha. Em alguns casos, esta corrida roça a obsessão porque a forma como funcionam os concursos de recrutamento de recém-especialistas, com abertura de poucas vagas, tem vindo a obrigar os Internos, que desejem permanecer no sector público, a lutar pelos 20 valores no seu exame final e, para o conseguir, também terão que ter 20 na avaliação curricular. No entanto, se observarmos bem a grelha, é extremamente difícil obter a pontuação máxima. Quantos internos conseguem fazer uma pós-graduação, mestrado ou doutoramento? E, se o conseguirem, foi à custa de quê? Claro que quem investe o esforço extra, deve ser reconhecido e recompensado, mas será o internato o momento certo para o fazer?
É desejável que o currículo mínimo esteja bem definido, de forma clara e inequívoca. Assim como os colegas das especialidades cirúrgicas têm definidos os números mínimos dos diferentes tipos de cirurgia que têm que executar durante o seu internato, de forma a poderem ser especialistas, os Internos de Medicina Geral e Familiar (MGF) também deviam ter estes números definidos para os vários tipos de consultas e procedimentos como a colocação de implantes e dispositivos intra-uterinos, por exemplo.
Os quatro anos de internato são uma boa oportunidade para, para além de adquirir as competências que caracterizam a nossa especialidade, treinar áreas de interesse pessoal, que idealmente contribuam para o trabalho em equipa, o desempenho da unidade de formação e as condições de saúde da comunidade que serve. Quando leio os documentos curriculares dos candidatos a exame final, procuro sempre elementos distintivos, o factor X, se assim quiserem chamar, mas também compreendo que para conseguirem fazerem tudo o que está descrito na grelha, dificilmente sobra tempo para isso.
Em 2018, o EURACT (European Academy of Teachers in General Practice) publicou os requisitos europeus para a formação especializada em MGF. Recomendo, vivamente, a sua leitura, pois elenca a melhor forma de avaliar a aquisição das seis competências nucleares da nossa especialidade, de acordo com a definição Europeia de MGF, demonstrada pela árvore da WONCA (World Organization of National Colleges, Academies and Academic Associations of General Practitioners/Family Physicians).
A melhor forma será integrarmos a avaliação no próprio processo formativo, promovendo uma atitude reflexiva, com regularidade e ao longo do tempo. Assim, o Interno terá a possibilidade de aplicar o que vai aprendendo no seu desempenho futuro. Sem esta reflexão, dificilmente, haverá o desejado crescimento pessoal e profissional.
Temos assistido a um ataque feroz ao nosso SNS (Serviço Nacional de Saúde), desmotivando os colegas, levando à saída da função pública e ao abandono da nossa especialidade. Se houver genuíno interesse em preservar o SNS, urge os nossos governantes manterem abertas todas as vagas disponíveis e a criarem condições equilibradas e equitativas para cativar e manter os especialistas de MGF, como o justo pagamento e a flexibilidade de horários, entre outros. Quando isto for possível, os Internos poderão concentrar-se no mais importante: aprender a fazer consulta, comunicando bem e oferecendo os melhores cuidados aos seus utentes.
(artigo escrito pela ortografia prévia ao A.O. de 13 de Maio de 2009)
Sou do tempo em que, na Zona Centro, não se conhecia a grelha de avaliação curricular, do exame final da especialidade. Cada Interno fazia o melhor que sabia e podia, com os conselhos dos seus orientadores e de internos de anos anteriores. Tive a sorte de ter uma orientadora muito dinâmica e que me deu espaço para desenvolver projectos e actividades que me mantiveram motivada, mas o verdadeiro foco sempre foi o de aprender a comunicar o melhor possível com as pessoas que nos procuram e a abordar correctamente os seus problemas. Se me perguntarem se gostaria de ter sabido melhor o que se esperava que fizesse durante os meus três anos de especialidade, responderei afirmativamente, contudo acho que temos vindo a caminhar para o outro extremo.