Na senda de “uma visão profissional integrada, multidisciplinar e humanizada do serviço de urgência”
DATA
09/06/2017 10:51:00
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Jornal Médico
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Na senda de “uma visão profissional integrada, multidisciplinar e humanizada do serviço de urgência”

O Hospital Lusíadas Porto vai organizar, entre 21 e 23 de junho, o Congresso Hot Topics in Emergency Care 2017. Em entrevista ao Jornal Médico, o diretor clínico do hospital, Filipe Basto, reforça a importância da colaboração especial neste evento do Serviço de Urgência dos Hospitais da UNC/Chapel Hill, na Carolina do Norte (Estados Unidos da América). E aponta duas outras oportunidades formativas decorrentes desta reunião: o Curso Pré-Congresso sobre síndrome coronária aguda (21 de junho) e os dois cursos satélites, intitulados “Um Dia na Ecografia da Urgência” (30 de junho) e “Suporte Avançado Vida” (dias 7 e 8 de julho).

 

JORNAL MÉDICO | A quem se destina e quais os objetivos da reunião Hot Topics in Emergency Care 2017?

FILIPE BASTO | Este curso tem como objetivo primordial a atualização de conhecimentos e de competências na área da medicina de emergência, de uma forma prática, sistemática e interativa. Vão ser discutidos alguns dos problemas mais comuns e/ou mais graves na abordagem da pessoa doente em contexto de medicina de urgência/emergência e dada importância a situações menos valorizadas, como a relação com as famílias ou a relevância dos cuidados paliativos na urgência.

 

Vai também proporcionar-se aos participantes uma experiência de contacto internacional, com uma equipa de médicos americanos de grande notoriedade, facto que muito nos apraz registar, e que é sem dúvida uma mais-valia única do evento. Pretendemos juntar médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde de forma a construir uma visão profissional integrada, multidisciplinar e humanizada do serviço de urgência. Teremos ainda um curso sobre ecografia na urgência e um curso de suporte avançado de vida.

 

JM | O que se pretende com esta abertura à participação de especialistas internacionais na área da Medicina de Emergência?

FB | Partilhar experiências para aprender, em conjunto, a tratar e cuidar melhor das pessoas que nos procuram e confiam em nós. Costuma dizer-se que as pessoas inteligentes aprendem com os seus próprios erros, mas diz-se que os “génios” (e dizemos nós: também as pessoas mais humildes!) vão aprendendo com os erros dos outros! Na verdade, em Medicina tem de aprender-se não apenas com os erros que são catastróficos – e que são naturalmente de evitar –, mas também com todas aquelas situações que felizmente não condicionaram estes desastres, embora tenham estado muito perto de os provocar.

Esta experiência de contacto internacional, facilitada pela vinda dos nossos convidados, tem o objectivo de desenvolver sistemas integrados e colaborativos que nos permitam fazer bem, à primeira, e criar uma cultura de prevenção do erro de forma natural e sistemática.

Para além disso, estes key opinion leaders (KOL) são de um país onde a medicina de emergência é uma especialidade médica autónoma há dezenas de anos e isso ajuda-nos a aprender com o melhor (e o pior) da sua já larga experiência acumulada.

 

JM | Quais são, atualmente, os grandes desafios na prática da Medicina de Emergência em Portugal?

FB | O primeiro é o foco na resposta às necessidades do doente que vem ao serviço de urgência. A pessoa não tem, por regra, condições para saber se o seu problema de saúde é ou não urgente e, por isso, recorre ao serviço que julga lhe responderá de forma mais adequada, imediata e compreensiva. E isso é bom, se esta resposta for oportuna e criar condições para um seguimento posterior, que proporcione uma maior e melhor ligação com um médico assistente e uma continuidade de cuidados. É este o modelo que pretendemos seguir no Hospital Lusíadas Porto.

O segundo prende-se com a dificuldade em dar resposta ao primeiro problema, em termos de organização do nosso sistema de saúde. Fazem-se muitas regras e reorganizam-se hospitais e níveis de cuidados, mas o problema da falta de oportunidade dos cuidados de proximidade continua a existir.

 

JM | Na sua opinião, o que está a falhar no sistema?

FB | O sistema tem de definir qual o ponto fulcral de decisão sobre o melhor local para responder ao problema específico de cada pessoa. Conseguir definir se se trata de um problema agudo e grave, de uma agudização de uma doença crónica ou de outras circunstâncias que possam ser geridas num contexto de maior controlo e proximidade...

Há aqui também um problema de relação pessoal e de confiança entre médico-doente que não está resolvido e que claramente ultrapassa, em muito, as interações que estão estabelecidas entre hospitais de agudos e centros de saúde. Temos de encontrar um modelo diferente daquele que vem sendo seguido, mais ágil e flexível, que coloque o médico assistente e os recursos que possam ser necessários, à disponibilidade no momento e local onde são mais úteis e necessários.

Por último, ressaltar a importância da escolha e da responsabilização de cada um de nós pela utilização judiciosa de bens e de recursos que todos sabemos serem escassos.

É importante que os cidadãos tenham capacidade de escolha sobre os cuidados de saúde que julguem serem mais adequados às suas necessidades, mas que ao mesmo tempo reconheçam que esse “direito” é consentido pelo nosso esforço conjunto de vida solidária em sociedade. É necessário que haja respeito por este esforço e uma percepção do valor que lhe está associado, o que muitas vezes não acontece.

 

JM | Do ponto de vista organizativo, vê vantagens em tornar formalmente a medicina de emergência uma especialidade médica no nosso país? Quais podem ser essas mais-valias, para profissionais e para doentes?

FB | As implicações de tornar a medicina de emergência numa especialidade são múltiplas e apresentam diversos contornos. Não me parece que a solução para o adequado funcionamento dos serviços de urgência no nosso país dependa isoladamente desta resposta.

Trabalhar na urgência exige uma série de conhecimentos e de competências que são específicas, da mesma forma que são específicas as características pessoais que melhor se adequam ao seu desempenho. Mas estes pressupostos são uma condição necessária e presente na prática geral da medicina, numa tensão (positiva!) que está sempre presente entre (super)especialização e desempenho mais integrado e generalista.

Acho que há lugar para equipas dedicadas ao funcionamento do serviço de urgência, modelo que tem aliás sido implementado em diversos hospitais no nosso país, garantindo, numa equipa base, competências que poderão ser complementadas por equipas multidisciplinares de apoio em áreas especificas. Acho que, neste momento, este é o modelo com mais vantagens para os doentes.

Concordo que um modelo multidisciplinar seja mais complexo em termos organizacionais do que garantir equipas superespecializadas. Mas, a consistência e previsibilidade da sua actuação podem também ser desenvolvidas, garantindo excelentes resultados clínicos e operacionais.

O nosso modelo, no nosso hospital, é o de construir uma equipa que seja capaz de resolver a generalidade dos problemas que se apresentam no serviço de urgência, com competência técnica e uma perspectiva humanizada dos cuidados, salvaguardando o apoio adicional de equipas multidisciplinares especializadas.

 

JM | O que se pretende que, no final, os participantes deste evento levem na “bagagem” para a sua prática clínica diária?

Que reconheçam, em termos de valorização pessoal e profissional, a importância do seu investimento pessoal e da sua participação neste curso. Que tenham desenvolvido os seus conhecimentos e as suas competências na área da medicina de emergência. Que esta experiência contribua para melhorar tecnicamente o seu padrão assistencial e para tratar de forma adequada e oportuna os seus doentes – como é necessário quando se trabalha nos serviços de urgência –, mas também para melhorar a sua sensibilidade e contacto pessoal com todos os que nos procuram: o saber cuidar que é tão importante em toda a Medicina.

Por último, que tenham beneficiado com a experiência prática, com a interação e com os contatos internacionais estabelecidos, numa perspetiva de juntar médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde para construir uma visão profissional integrada, multidisciplinar e humanizada do serviço de urgência.

O (Des)alento da Medicina Geral e Familiar no Serviço Nacional de Saúde
Editorial | Joana Torres
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