As colaborações não formais já tinham feito correr muitas páginas do calendário até que, a 13 de abril, a Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP) e a Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC) assinaram um protocolo de cooperação, com o objetivo de realizar ações de prevenção, tratamento e controlo da doença cardiovascular (DCV) na população diabética. Estima-se que as pessoas com diabetes tenham duas vezes maior risco de sofrer de DCV comparativamente à população em geral. O objetivo é comum: alertar para o desafio que é tratar o “coração da diabetes”. O Jornal Médico promoveu uma conversa a três, com o presidente da APDP, José Manuel Boavida, e o presidente da SPC, João Morais, onde ambos destacaram o (muito) trabalho preventivo que urge implementar e até dos “fogachos” em Saúde que, não raras vezes, ocupam a agenda mediática.
JORNAL MÉDICO | A urgência da multidisciplinaridade reforçou a ideia já antiga desta parceria?
José Manuel Boavida (JMB) | Queremos aprofundar relações e colocar na agenda o tema na ordem do dia: o coração da diabetes.
João Morais (JMo) | Durante muitos anos, os cardiologistas consideraram a diabetes como algo de abstrato. Felizmente, a ciência e os doentes ajudaram-nos a perceber que é, de facto, uma DCV ou que tem, pelo menos, uma fortíssima componente cardiovascular. Faz todo o sentido que uma sociedade científica colabore com quem está no terreno, ainda mais com preocupações de natureza social, com momentos simples que marquem o interesse da SPC no tema e reconhecendo que, em Portugal, existe uma instituição de grande peso na área que é a APDP.
JM | Sei que o Prof. João Morais assumiu recentemente o seu mandato como presidente da SPC e que foi o Prof. Miguel Mendes a assinar a parceria. De que forma é que pretende dar continuidade a esse “legado” que agora se inicia? É uma prioridade do seu mandato?
JMo | A SPC tem a figura do presidente-eleito [que assumi até agora]. Durante dois anos acompanhei a anterior direção e a realização deste protocolo era do meu conhecimento. Há muito tempo que a diabetes se tornou prioridade como área de saber e prática médica. Não faria sentido que um [novo] presidente da SPC pudesse vir a alterar tal prioridade… Era uma continuidade natural.
JM | O Dr. Boavida também iniciou o mandato recentemente. A assinatura deste protocolo de cooperação faz cumprir o objetivo de “tornar a diabetes cada vez mais visível”? Os dados que indicam que há um milhão de portugueses com diabetes entre os 20 e os 79 anos já não são suficientes?
JMB | Faz sentido responder aos problemas concretos das pessoas com diabetes. A principal causa de morte na diabetes é o coração, e do ponto de vista dos eventos cardiovasculares (ECV), as doenças ligadas à alteração do metabolismo da glicose são absolutamente fundamentais. A diabetes cruza-se com a Cardiologia em diversos pontos: prevalência da hipertensão (HTA), dislipidemia, fatores de risco, nefropatia e agravamento da própria situação cardíaca. Muitos estudos mostram que os cuidados em diabetes começam a ser uma necessidade premente nos cuidados intensivos e internamento em Cardiologia. É uma relação de dependência: precisamos uns dos outros e de trabalhar conjuntamente com as especificidades de cada área.
JMo | A diabetes e o progresso no seu tratamento sofreram repercussões favoráveis para os doentes e uma delas foi a redução de uma parte importante das suas complicações. Situações de nefropatia são, hoje em dia, menos frequentes e surgem muito mais tarde, mas a complicação cardíaca não reduziu tanto assim. Há menos casos de doença microvascular – [os doentes] estão cada vez mais bem tratados –, mas a nível macrovascular não tanto assim, o que significa que há muito menos [cidadãos] amputados, mas pouco menos [situações de] enfarte agudo do miocárdio (EAM).
JM | Os dados revelados na “Factos e Números” já não são suficientes para “assustar” as pessoas?
JMB | As pessoas não reagem por sustos. Se assim fosse já teríamos resolvido todos os problemas da sociedade há muitos anos. Temos de ter a capacidade de mobilizar forças suficientes para motivar e dinamizar espaços relevantes na modificação dos hábitos das pessoas. Os determinantes em saúde são conhecidos há muitos anos, mas a sua modificação não tem sido prioritária para os [vários] governos, em temas como o tabaco, poluição, vida ativa, cidades amigas do movimento, alimentação… Continuamos com o desafio de transferir a Secretaria de Estado da Alimentação para a Saúde, permitindo uma visão transversal dos problemas da alimentação. Uma outra ideia seria integrar a área do desporto na Saúde para percebermos como tudo isto é decisivo.
JMo | O que verificamos todos os dias é que o doente não tem perceção da gravidade do seu problema. Ouvem-se frases como “é uma coisa simples” ou “eu tomo um comprimido por dia”. Brincam com o assunto porque, se calhar, nunca ninguém lhes explicou que a diabetes é o seu primeiro problema de saúde e que depois surgem outros. O doente não é educado pelos media, mas pelo seu médico. Temos um grande caminho a percorrer, até na educação médica.
JM | E o que é que este protocolo pode fazer exatamente por esse apoio ao especialista, nomeadamente ao médico de família?
JMo | Temos de contribuir para o chamado awarness do problema. A SPC também pode cooperar, nomeadamente ao reforçar e trazer para a Cardiologia o problema da diabetes. É fundamental que estes especialistas que trabalham dentro e fora do hospital entendam e olhem para a diabetes como uma doença grave e cardiovascular. Não se ouve muito esta expressão. Felizmente, a investigação tem-nos ajudado, nos últimos anos, com peças de investigação que focam o coração, reforçando este conceito junto dos cardiologistas.
JMB | Há um editorial do presidente da Associação Americana de Diabetes (AMA) no qual ele afirmava que esta é uma doença invisível e eu tenho dito que é uma doença silenciosa pela sua evolução lenta e gradual – um pouco como a aterosclerose –, mas é também uma doença silenciada pelas pessoas que a menosprezam, pelos profissionais de saúde que não lhe dão a devida relevância e pela comunidade porque “as pessoas até vivem com a sua doença”. É preciso quebrar estes silêncios e isso exige divulgação, educação e disponibilidade por parte dos profissionais, particularmente os médicos de família. Quando fui diretor do Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Diabetes (PNPCD) foram criadas as consultas de diabetes nos cuidados de saúde primários (CSP), que se expandiram por todo o país. O objetivo era encontrar tempo e espaço para a educação, para falar destes problemas juntamente com os enfermeiros e os médicos de família. Este espaço falta, muitas vezes, à área mais especializada, que por vezes se foca nos problemas mais agudos e prementes, esquecendo a contextualização. Em termos de investigação podemos estar a chegar, pela primeira vez, a medicamentos que complementam esta intervenção, atuando na diabetes, na DCV, na HTA... Isto vai exigir aprofundamento e troca de experiências. Neste momento, o protocolo é um conjunto de intenções que vão ser concretizadas. Queremos trabalhar na realização da primeira jornada sobre “O coração da diabetes”, num espaço próprio com debate entre especialistas.
JM | De que forma é que esta parceria pode vir a influenciar a forma de tratar a diabetes e o doente cardiovascular com diabetes?
JMB | Os endocrinologistas e os internistas têm tido uma visão muito glucocêntrica, os cardiologistas têm uma visão muito lipidocêntrica e nós [associação de doentes] temos de traduzir estes termos em linguagem comum porque temos toda a vantagem nisso.
JMo | A APDP é um fenómeno curioso em Portugal – e quem sou eu para falar disto! – porque há anos que tem cardiologistas. Sempre vi cardiologistas na APDP. E nós, quando tentamos orientar uma palestra e precisamos de um cardiologista para falar de diabetes, vem-nos imediatamente à cabeça os cardiologistas que são amigos da casa e que trabalham na APDP, mais até do que as sociedades científicas.
JM | É um trabalho de persistência ao longo dos anos…
JMo | Reconheceram mais depressa que precisavam de cardiologistas do que nós reconhecemos que precisávamos de diabetologistas… (risos)
JMB | A grande característica da diabetes é a cronicidade, o que não corresponde exatamente àquilo que se ensina na faculdade. Cerca de 90% do ensino é feito com doentes internados por episódios agudos. Estar a “dar” 10% sobre doentes crónicos ou ambulatório já é com boa vontade…
JMo | Ainda por cima, os [doentes] agudos agora morrem menos, felizmente, portanto vamos ter mais crónicos.
JM | O diretor-geral da Saúde, Francisco George, afirmou no congresso da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) que, nos próximos cinco anos, há a urgência precisamente das doenças crónicas, entre outras. O que é que ainda falta a esta luta? Em termos de armas sentem que a Direção-Geral da Saúde (DGS) tem cumprido o seu papel de apoio às associações e, no caso da SPC, às sociedades científicas?
JMB | Eu tenho algum conflito de interesses nessa resposta porque estive quase nove anos na DGS e sei bem a dificuldade que é defender as doenças crónicas – ou por outra, as doenças não transmissíveis –, na medida em que a cultura dominante continua a ser destacar as patologias infetocontagiosas e o sanitarismo. Recordo-me de, no primeiro ano, termos feito um manifesto por uma vida mais saudável. (…) Quando comecei a trabalhar no PNPCD, desenvolvido com o programa da Cardiologia, realizámos uma reunião com cerca de 60 associadas às doenças não transmissíveis em que não houve continuidade, porque a apetência cultural da DGS continua virada para os múltiplos “fogachos”, epidemias que vão e vêm...
JM | E que ocupam grande parte da agenda e da atuação propriamente dita…
JMB | E que, provavelmente, servem de fumo para os verdadeiros problemas. Cerca de 85% das mortes em Portugal são devidas a doenças não transmissíveis. A hepatite A, que é uma doença benigna e um programa de higiene, e o sarampo que é um problema de manutenção de um programa de vacinação – cuja animação é necessária manter ao longo do tempo – podiam ser disseminados nos CSP como uma prática. Não precisam de um programa. Se tudo isso tivesse evoluído estaríamos, neste momento, dedicados às quatro doenças que a Organização Mundial de Saúde (OMS) prioriza: DCV, cancro, doenças respiratórias e diabetes. Estão colocadas em todos os documentos da OMS, portanto a DGS só tem de cumprir as orientações internacionais neste campo e priorizar.
JMo | É muito mediático aproveitar os “fogachos”. Falou-se mais vezes e com mais impacto de sarampo na televisão e nos jornais durante uns dias do que de diabetes o ano inteiro quando houve pouco mais de 20 casos! O diretor-geral de Saúde esteve bem nesta questão ao dizer que era um falso problema.
JMB | Também tivemos o ébola, que conseguiu mobilizar uma sala em cada hospital e formação para todos os serviços médicos de urgência. Foram gastos milhares de euros para zero casos de ébola. E o Dr. Francisco George não gosta que se lhe diga isto… Não havia tasca nem tasquinha que não tivesse um cartaz a dizer como é que se lavam as mãos. Ainda hoje estão por utilizar as batas da gripe nos centros de saúde (CS)… Fizeram-se roteiros especiais para as pessoas entrarem nos CS. Eu costumava dizer que, se fizermos para a HTA, lípidos e diabetes as campanhas que se fizeram para a gripe, haveria resultados muito positivos do ponto de vista de saúde. Aqui, tomo a liberdade de dizer que não me interessa se é a DPOC ou a HTA, porque qualquer uma destas áreas tem fatores determinantes que são comuns: se estivermos a combater uma estamos a combater também a outra.
JMo | E tem impacto. Esta semana vai ser divulgado o documento de 2015 sobre a mortalidade em Portugal. As doenças do aparelho circulatório, felizmente, continuam a diminuir. Há consistência e aquilo que tem sido feito tem gerado resultados. Mas tenhamos a noção clara que tem sido feito com base nos profissionais e nas instituições, muito mais do que a tutela tem feito – ela que me perdoe! Para a redução da mortalidade por EAM, os profissionais organizaram-se em massa em Portugal, juntamente com as sociedades científicas.
JM | Sem apoio da tutela?
JMo | Sem o empenho direto.
JMB | A resiliência do Serviço Nacional de Saúde (SNS), em grande parte, está dependente dos profissionais de saúde.
JMo | É a sorte dos portugueses…
JMB | Talvez possamos perguntar porque é que os profissionais de saúde se dedicam desta forma à causa. Têm prazer na sua profissão e será, provavelmente, das profissões onde há mais compensação afetiva graças à relação com o doente.
JMo | Económica não é…
JM | A afetividade emocional pode ser grande, mas o risco de exaustão também é muito elevado, o burnout continua…
JMB | Há uma pressão enorme. Passar de 1.500 para 1.900 pessoas é contrário a todas as normas de boas práticas. Exigir redução de tempos de trabalho, esforços continuados sem vista a outcomes, mas apenas uma visão estreita dos cuidados. Veja-se a hipercentralização dos hospitais. Dentro de um curto prazo vamos assistir à descentralização e à revigorização dos hospitais distritais e até de proximidade. O burnout criou uma forte despersonalização dos serviços
de saúde e descontinuidade na relação com as pessoas. Há equipas em hospitais que não se encontram com profissionais a entrar às nove e ao meio-dia; uns estão de banco e outros saem…
JMo | Uns trabalham 40 horas, outros 28 ou 15 e há quem só faça urgências.
JMB | Recordo-me que o serviço onde mais aprendi tinha três reuniões por semana: científica, casos clínicos e problemas de serviço. É preciso ter uma dinâmica permanente de reflexão sobre a nossa maneira de trabalhar e de melhoria daquilo que fazemos e de participação nas decisões. A autonomia dos serviços e do orçamento de serviços seriam medidas muito fáceis para um verdadeiro reformador na Saúde, [alguém] que quisesse realmente fazer uma reforma profunda.
JMo | O SNS continua a ser a base. Felizmente continuamos a tê-lo. Ele depende dos profissionais. São eles quem o mantém vivo, com todas as dificuldades. Os últimos cinco anos foram dramáticos dentro e fora dos hospitais. Viveram-se momentos terríveis com as reduções de investimentos. Apesar disto, manteve-se… muito às custas do esforço dos profissionais.
JM | Relativamente à legislação antitabágica, consideram que está tudo feito no sentido de ajudar a população diabética – uma vez que é dela que estamos a falar. Haverá aqui uma tentativa de promover a saúde ou apenas de controlar a doença?
JMo | Portugal tem uma das leis antitabágicas mais interessantes da Europa, para não falar de outras partes do mundo. É equilibrada, mas está sempre em risco porque há forças muito poderosas que estão permanentemente a tentar alterar a atual situação, como as grandes empresas que vendem tabaco e cigarros eletrónicos. Porque é que eu não posso fumar dentro de CS mas posso fumar à porta? Isto não faz qualquer sentido e é importante debater estas questões. Sobre a questão dos cigarros eletrónicos ouve-se que “há falta de dados científicos que provem que é perigoso”, mas também nada garante que são bons. E ninguém debate, por exemplo, o impacto do cigarro eletrónico no começo do ato de fumar. Discute-se se o cigarro eletrónico será bom para deixar de fumar, mas ainda ninguém o provou. Não pode ser autorizado! Tem de haver o mesmo comportamento para um e outro.
JMB | Não basta confiarmos numa lei, temos de criar estruturas de retaguarda. O apoio às consultas antitabágicas é nulo. Há 15 anos que a APDP tem uma consulta antitabágica paga pela Fundação Ernesto Roma. Tendo em conta a taxa de fumadores é nossa obrigação disponibilizar instrumentos de ajuda. A comparticipação dos medicamentos é fundamental, mas precisamos de psicólogos para as consultas antitabágicas ou médicos que se dediquem a essa área.
JM | E porque é que não estão disponíveis?
JMB | Porque não há apoio das administrações regionais de saúde e a maior parte dessas consultas funciona ao nível dos CS. Durante estes cinco anos de crise a maior parte delas fechou e não há qualquer planificação.
JM | Fecharam por falta de procura?
JMB | Não são financiadas, não são apoiadas, não estão nos indicadores de saúde.
JMo | Como é que funciona, hoje em dia, uma administração hospitalar? Contratualiza com a tutela, por exemplo, 10 mil consultas pagas. Aquelas que não são pagas, a administração não quer abrir.
JMB | Consultas de Nutrição, de educação…
JMo | Ainda por cima, há sempre o argumento horrível de que “nos hospitais não se faz medicina preventiva”, faz-se medicina curativa. Não faz sentido… E fora [dos hospitais] é a mesma coisa: eu trabalho em Leiria. Se há um doente que me diz que quer deixar de fumar, indico uma ou duas consultas de cessação tabágica em Leiria e ele fica mais de um ano à espera. As pessoas querem deixar de fumar e não têm quem as ajude.
JMB | Não é por acaso que a lei, sendo boa, não teve os resultados esperados, embora ajude muito se tivermos este trabalho por trás.
JM | Na Nutrição será suficiente proibir a existência de máquinas de vending contendo produtos açucarados? Eles estão presentes até em ginásios, locais onde as pessoas supostamente procuram um estilo de vida mais ativo…
JMo | E as crianças trazem-nos de casa…
JMB | A partir dos 13, 14 anos fogem da cantina. Não basta que haja uma alimentação saudável nas cantinas.
JM | Existe falta de competitividade económica nas áreas de alimentação mais equilibrada?
JMB | Falta regulação na alimentação. Se a Secretaria de Estado da Alimentação passasse para a saúde…
JMo | Esta alimentação desregrada é muito mais cara do que a alimentação saudável. É muito mais dispendioso comprar um pão achocolatado do que levar um pão com manteiga de casa.
JMB | Temos a experiência de organizações de coffee breaks: sai mais caro pedir um pão com alface do que qualquer brioche ou bolo produzido industrialmente.
JM | Os médicos de família têm falhado nessa explicação?
JMo | De um modo geral, os médicos não têm grande preparação na área nutricional e a confusão que existe também é enorme. Há mil e uma correntes e muito trabalho a fazer. A proposta que a APDP fez muito recentemente à Câmara Municipal de Lisboa é a criação de um programa de mini-chefs para o primeiro ciclo. Não há razão para não terem aulas de culinária até na pré-primária! Começamos com as crianças o [trabalho de] incentivo ao consumo de vegetais, para que transmitam uma nova cultura de rejeição de outro tipo de alimentos. Temos de ser criativos neste trabalho e não apresentar a ideia como se de um castigo se tratasse, que é o que acontece quando as proibimos de utilizar algum alimento. Somos do tempo em que os médicos prescreviam uma dieta de couves e cozidos. Ter diabetes era viver a dieta da fome. Felizmente, a gastronomia trouxe-nos, nos últimos anos, imaginação e criatividade.
JMo | É como o sal. Para quê? Não é preciso. Não é um alimento e não faz parte dos alimentos. Está ali só para apaladar. É preciso tempo para explicar isso às pessoas.
JMB | E é necessário criar espaços de saúde onde possam discutir e trocar opiniões, criar fóruns.
JM | O mesmo para a prática de exercício físico como medida de prevenção…
JMo | Essa é outra componente que também sofrido algumas evoluções favoráveis. Hoje em dia vemos mais gente a mexer-se, uns por razões estéticas, outros pela saúde. Este boom dos ginásios tem um efeito interessante. A população responde bem quando é adequadamente estimulada. Quando é mal estimulada, responde mal. É preciso encontrar os programas, as pessoas certas e ter uma boa planificação.
JMB | E continuidade. Temos fogachos! Temos KOL para projetos, financiamentos da comunidade europeia lançados para o lixo, milhões e milhões de euros para projetos de dois, três anos que depois não têm continuidade. Não temos capacidade de transformar o que quer que seja num curto espaço de tempo. É preciso planificar, motivar, reciclar, voltar ao princípio muitas vezes, aprender com os erros. Nas doenças não transmissíveis crónicas temos o tempo que não existe nas doenças agudas. Precisamos da colaboração das comunidades. Quando pedimos às pessoas que pratiquem mais exercício temos de ter consciência da carga de trabalho que têm. As novas orientações dizem-nos que não devemos estar sentados mais de seis horas por dia. Mais do que fazer exercício no fim do dia, é preciso reintroduzi-lo ao longo do dia. A Medicina do Trabalho vai perceber que isto aumenta a produtividade, que a felicidade das pessoas também tem efeito nisso.
JM | Mas o tempo que é dispensado a quem fuma não tem correspondência para aqueles que não fumam. Não é convertido, por exemplo, em tempo de exercício, ideia defendida por alguns especialistas…
JMB | Algumas empresas pagam uma consulta antitabágica a colaboradores para que deixem de fumar. Pode-se fazer o mesmo para a perda de peso, por exemplo.
JM | Mas a tolerância não é a mesma…
JMo | Aqui há muitos anos conversava com um presidente de uma grande câmara municipal do país sobre esta questão do tempo para o exercício e alguém dizia “é muito fácil: afasta-se mais as paragens de autocarro, o que obriga as pessoas a andar mais”. E ele respondeu: “Sim e depois vem você ganhar votos nas próximas eleições”... (risos)
JMB | Mas a redução do número de carros nas cidades teve um impacto extraordinário na saúde! A poluição é vista só como risco de fator respiratório, mas também é um fator de risco cardiovascular e diabetes.
JM | Mas esse é um ponto de vista pouco falado…
JMB | Muito pouco falado. A saúde tem a obrigação de lutar para que os transportes públicos melhorem e as pessoas possam prescindir dos carros.
JM | Que ações podemos esperar para este próximo ano, fruto desta parceria?
JMo | Encontrar iniciativas, momentos e ideias que cumpram o desiderato de aumentar o awarness sobre a diabetes junto da população em geral, olhando-a como um problema cardiovascular. Internamente, como cardiologista, importa criar condições para que os profissionais entendam o seu papel na diabetes. Há coisas simples que podem ajudar a cumprir este objetivo que é interno e externo. A APDP está junto dos doentes, nós estamos mais próximos dos profissionais e queremos encontrar aqui uma forma de ambas as partes poderem lucrar.
JMB | Dar visibilidade ao trabalho de colaboração com a preocupação cada vez mais óbvio da interdisciplinaridade, das conexões, da partilha de preocupações. O primeiro desafio é o da reunião sobre “O coração da diabetes”.
A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.