Em entrevista ao Jornal Médico, Nuno Jacinto explica porque resolveu demarcar-se da atual direção nacional da APMGF – a qual integrou nos últimos dois mandatos – para se candidatar à liderança da associação. “Face aos novos desafios que enfrentamos, decidimos partir em busca desse novo rumo, pois sabemos que ninguém inova no terceiro mandato. Sentimos que podemos fazer mais e melhor e, por isso, é nossa obrigação avançar com um projeto de mudança e submetê-lo ao escrutínio dos sócios da APMGF”, diz o médico de família da USF Salus e cabeça de lista pela Ser APMGF.
JORNAL MÉDICO (JM) | O que o levou a avançar com uma candidatura à presidência da APMGF?
NUNO JACINTO (NJ) | Perante os desafios atuais, impostos à Medicina Geral e Familiar (MGF), é imperativo avançarmos para uma nova fase de mudança, de reinvenção e de readaptação. Vivemos uma época conturbada e até mesmo inesperada. Procuramos trazer uma lufada de ar fresco à APMGF, aliando o conhecimento organizacional e funcional da Associação, trazido por elementos com experiência associativa na APMGF, à inovação, criatividade e diversidade de ideias trazidos por novos colegas. Sentimos que podemos fazer mais e melhor e, por isso, é nossa obrigação avançar com um projeto de mudança e submetê-lo ao escrutínio dos sócios da APMGF.
JM | Que ideias-chave estruturam o programa eleitoral da lista Ser APMGF?
NJ | Os três eixos estratégicos do programa da lista Ser APMGF são muito claros e dirigidos aos maiores desafios que a nossa Associação enfrenta.
O primeiro é o da inclusão de todos os médicos de família (MF). A APMGF tem de ser mais participada, integradora, onde todos os colegas possam dar os seus contributos de forma ativa e válida. Deve promover uma aproximação interpares, no contexto da Associação, independentemente do contexto de exercício, grau de desenvolvimento profissional e área geográfica de ação. Temos de dar voz aos MF.
O segundo eixo é o do reforço do desenvolvimento técnico-científico. Queremos apostar fortemente na investigação e na formação contínua de qualidade no âmbito da MGF, promovendo e facilitando os diversos projetos dos associados. Fomentaremos o diálogo com as academias e a emissão de recomendações e orientações, vamos investir na promoção do ensino/aprendizagem da MGF no pré-graduado e aprofundaremos a articulação com as coordenações de internato.
O terceiro eixo é o da qualidade e segurança do exercício profissional. Cada vez mais atual, sobretudo no contexto que vivemos, a APMGF tem de defender intransigentemente a qualidade e segurança do exercício profissional dos MF.
JM | Que preocupações teve aquando da escolha dos elementos para a sua lista? Que tipo de representatividade procura?
NJ | A lista Ser APMGF é constituída por uma equipa de colegas com percursos formativos e profissionais diversos, com múltiplas áreas de interesse e diferentes vivências associativas. Temos colegas de diferentes idades e gerações, do interior e do litoral, internos e especialistas, a exercer em vários contextos da prática, nomeadamente nas unidades de cuidados de saúde personalizados (UCSP) e unidades de saúde familiar (USF), que coletivamente pretendem dignificar a MGF, desenvolvendo trabalho colaborativo, criativo e inovador que confira o sentimento de pertença a todos os associados. Mais do que a representatividade o que queremos para a nossa Associação é responder às necessidades profissionais sentidas pelos MF.
JM | Está a concorrer contra o atual presidente da APMGF, que já vai no seu segundo mandato. Como classifica a presidência do Dr. Rui Nogueira?
NJ | Antes de mais, importa salientar que não estamos a concorrer contra ninguém. Salientamos o percurso da APMGF através dos 37 anos da sua história. Reconhecemos o esforço de todos os que até agora trabalharam em prol da nossa Associação. Como em tudo na vida, nos últimos anos da APMGF há coisas que correram melhor e outras que correram pior. Como já tive oportunidade de referir anteriormente, entendemos que chegou a altura de um novo rumo para a APMGF. Face aos novos desafios que enfrentamos, decidimos partir em busca desse novo rumo, pois sabemos que ninguém inova no terceiro mandato. Também por isso propomos o limite de dois mandatos consecutivos para o presidente da direção nacional (DN).
JM | Uma das críticas que aponta à atual direção é a de que esta “está fechada sobre si própria” e é pouco inclusiva e participativa. Que atitude e medidas pretende adotar, caso seja eleito, no sentido de “dar voz” a um grupo mais vasto de colegas?
NJ | O nosso principal objetivo é dar voz a todos os MF, tornando a APMGF numa estrutura descentralizada e fazendo com que a sua DN seja um corpo dirigente em que prevaleça o diálogo, recetivo à participação dos seus associados. Os associados podem esperar, por isso, um outro estilo de liderança, uma liderança mais cooperativa e interativa. Todos aqueles que representaremos, terão oportunidade de fazer parte da vida associativa. Há que aproximar as estruturas associativas dos MF e priorizar as áreas de atuação. Temos de saber delegar tarefas e ouvir os colegas com mais experiência e interesse em cada uma das áreas de atuação da APMGF. Neste âmbito, vamos ainda reforçar o papel e fomentar a criação de novos grupos de estudos, bem como fomentar a criação de novas delegações e fortalecer as já existentes.
JM | Em que é que a Ser APMGF se diferencia da lista concorrente Nova APMGF?
NJ | Somos uma verdadeira alternativa e sentimos que representamos a mudança que a APMGF precisa para reconquistar e reforçar o peso científico e socioprofissional junto do público em geral e de outras instituições. Os três eixos estratégicos que já referi são talvez a nossa característica mais distintiva. Por outro lado, julgamos que o nosso programa, sendo ambicioso, é sucinto e direto, sem exageros ou complexidade desnecessária. Queremos e vamos estar perto de todos os colegas, dirigindo a nossa atenção aos problemas que os MF sentem no dia a dia. Somos realistas no que propomos e sabemos que há questões que não dependem diretamente da intervenção da APMGF, embora tenhamos sempre a obrigação de alertar quem de direito para a sua existência. Os órgãos sociais da lista Ser APMGF estarão sempre disponíveis para ouvir os colegas que nos procurarem, sem intermediários.
JM | Atravessamos tempos atípicos na saúde, com uma pandemia sem fim à vista, onde o papel dos MF ganha contornos únicos. Qual crê que deve ser esse papel e qual a posição da APMGF nesta situação particular?
NJ | A pandemia trouxe um desafio emergente que necessita de respostas imediatas. Os MF têm feito um trabalho árduo e extraordinário na linha da frente no combate a esta pandemia, pelo que a APMGF tem o dever de o defender incessantemente. Não podemos aceitar que este papel absolutamente fundamental seja minorado ou menosprezado.
Por outro lado, urge encontrar soluções que permitam aliviar a carga burocrática com que os médicos de família são confrontados nesta fase, permitindo prestar melhores cuidados aos seus utentes, seja no âmbito Covid ou não-Covid. Os MF querem continuar a prestar cuidados de proximidade aos seus utentes e a APMGF tem de ser capaz de exigir e lutar para que lhes sejam dadas as condições necessárias para o continuarem a fazer com qualidade.
JM | Que outros desafios reconhece aos cuidados de saúde primários (CSP) e à MGF atualmente e em que medida foram equacionados no seu programa eleitoral?
NJ | O programa Ser APMGF é muito claro quanto a esta questão. A importância da APMGF deve traduzir-se na melhoria e evolução da organização dos CSP e das suas unidades funcionais, promovendo mudanças que garantam a sustentabilidade dos CSP. Logo à cabeça, temos o ajuste da dimensão das listas de utentes, a redução da excessiva burocracia, a defesa de uma carreira efetiva e progressiva, a realização atempada e célere dos diferentes concursos e a revisão do sistema retributivo, de forma a terminar com a desigualdade atualmente existente entre os diferentes modelos organizativos das unidades funcionais. Pretendemos também contribuir para o desenvolvimento de soluções que permitam uma melhoria dos sistemas de informação, o reconhecimento do estatuto do orientador de formação em todas as unidades funcionais, o reconhecimento das USF e UCSP como centros de formação e ainda o reconhecimento das competências específicas dos MF como docentes ou investigadores Para além de tudo o que mencionei, não nos podemos esquecer dos colegas que não trabalham no Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas sim noutras entidades. Precisamos de todos, mais ainda neste tempo complexo que vivemos.
JM | Que mensagem gostaria de deixar aos colegas médicos de família?
NJ | A APMGF é uma das maiores associações médicas em Portugal e acreditamos que o seu maior património somos todos nós. É preciso que a APMGF se assuma como voz dos MF, defendendo os seus interesses e atuando como interlocutor incontornável e indispensável junto do poder político e da sociedade em geral, em particular neste período de pandemia que vivemos. Queremos, através de um diálogo aberto, construir uma MGF melhor e em que todos, médicos e cidadãos, se revejam com orgulho. A MGF precisa de uma APMGF forte e para isso a APMGF precisa de todos nós. Vamos Ser APMGF, por todos e para todos os Médicos de Família.
A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.