Em entrevista ao Jornal Médico no contexto das 1.as Jornadas Digitais de Pediatria, que decorreram em outubro, a presidente da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP), Inês Azevedo, analisa os desafios da especialidade, bem como o impacto da Covid-19 na saúde das crianças. E conclui que, pela positiva, a pandemia aumentou a consciência dos pais para a importância da vacinação.
Jornal Médico (JM) | Quais considera ser os desafios que a especialidade de Pediatria enfrenta, atualmente, e que outros vislumbra num futuro próximo?
Inês Azevedo (IA) | Em Portugal, temos indicadores de saúde infantil muito bons, que nos colocam entre os melhores do mundo, pelo que é muito importante mantermos o nível de cuidados, continuando a apostar na valorização do Sistema Nacional de Saúde (SNS). Temos tido bons resultados em áreas muito específicas, contudo, há áreas a melhorar, nomeadamente no apoio à criança com doença crónica complexa, cujo impacto na qualidade de vida da infância é grande, e na prevenção das doenças respiratórias crónicas, da obesidade, da diabetes ou das doenças cardiovasculares. A prevenção e tratamento das doenças infeciosas continuam a ser sempre fonte de preocupação, tal como as medidas de prevenção e de apoio à prematuridade.
JM | A vacinação é de extrema importância, nomeadamente em idade pediátrica. Quais são as atualizações das recomendações da SPP em termos de vacinação? Algumas destas recomendações resultaram em alterações concretas no Programa Nacional de Vacinação (PNV)?
IA | A Comissão de Vacinas da SPP pronuncia-se regularmente sobre as vacinas que não estão incluídas no PNV. Por exemplo, nas mais recentes, incluíram-se orientações sobre a vacinação contra a gripe e adaptaram-se as anteriores recomendações sobre a vacinação contra a meningite B, dado esta ter sido incluída no PNV das crianças mais jovens, tal como a vacinação contra o vírus do papiloma humano nos rapazes.
Neste momento, muitos pais estão a pedir a vacinação contra a gripe para as crianças que ainda não a tinham feito. A este nível, considero que se a pandemia trouxe algo de bom, foi uma maior consciência dos pais acerca da importância da vacinação, ainda que, em Portugal, os movimentos antivacinais nunca tenham tido grande expressão, pois temos a melhor taxa de vacinação na criança da Europa. Isso fez com que conseguíssemos, por exemplo, ter bons resultados relativamente ao sarampo, sendo que este registou níveis muito elevados de infeção noutros países, onde se vinha a verificar baixa taxa de adesão à vacinação.
JM | Como presidente da SPP, qual a principal “bandeira” da sua direção? Em que gostaria de deixar uma marca de melhoria para o exercício clínicos dos pediatras?
IA | A SPP tem vindo a apostar na melhoria da formação contínua dos profissionais, pelo que na fase pandémica procuramos desenvolver esforços para manter essa formação através das novas plataformas digitais e estamos a procurar criar cursos de formação contínua mais estruturados.
Também procurámos aumentar a literacia das populações quantos aos temas de saúde: temos feito algum trabalho nesse sentido no Portal da Criança, que é um meio de interação com a criança e os seus cuidadores, e também estamos a tentar dar mais informação às populações através das redes sociais.
Durante a pandemia de Covid-19, é nossa intenção continuar a trabalhar juntamente com a OM, na formação e no acompanhamento dos percursos profissionais, continuando a fazer o levantamento das necessidades do país.
JM | Como avalia o impacto da pandemia, nomeadamente durante o Estado de Emergência, na prestação de cuidados à população pediátrica?
IA | Na fase inicial procuramos trabalhar, juntamente com a Medicina Geral e Familiar, na manutenção da prestação de cuidados de saúde à criança, promovendo a vigilância em consulta e a vacinação, e o acesso a cuidados urgentes, em ambiente seguro.
Durante o confinamento, dado que a criança não tem habitualmente doença grave, verificamos sobretudo repercussões a nível da aprendizagem e da saúde mental, pelo que uma das nossas prioridades tem sido a promoção do ensino presencial. A escola é essencial para a aprendizagem e socialização e, para muitas crianças, é o porto de abrigo ou o único sítio onde têm uma refeição. Sobretudo nas famílias com maiores dificuldades, em que os pais não podem ajudar nas tarefas escolares, ou que não têm equipamento informático, é muito importante poder ter o ensino presencial. Até porque, ressalve-se, a escola não tem sido um grande foco de infeção de SARS-CoV-2, com pouquíssimos registos até ao momento. Os maiores números de contágio de Covid-19 têm acontecido em casa, no meio familiar, por isso é importante tentarmos ao máximo manter as nossas crianças na escola.
Nos próximos tempos, vamos ter muito trabalho pela frente, porque nem todas as crianças com necessidades educativas especiais ou que necessitam de terapias voltaram a ter acesso aos seus cuidados habituais.
Esta entrevista pode ser lida na íntegra na edição de outubro do Jornal Médico.
A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.