Carlos Cortes propõe-se a bastonário pela “igualdade na defesa dos médicos e dos seus direitos”  no acesso à  formação e a uma carreira “justa”
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07/02/2023 17:23:00
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Jornal Médico
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Carlos Cortes propõe-se a bastonário pela “igualdade na defesa dos médicos e dos seus direitos” no acesso à formação e a uma carreira “justa”

Esta é uma das bandeiras de candidatura de Carlos Cortes a bastonário da Ordem dos Médicos (OM). O especialista em Patologia Clínica e presidente da Secção Regional do Centro da OM foi o candidato mais votado na primeira volta da eleição do cargo. Agora, vai disputar a segunda volta, a decorrer até 16 de fevereiro, juntamente com Rui Nunes, otorrinolaringologista e professor na Faculdade de Medicina na Universidade do Porto. Leia a entrevista na integra.

Na primeira volta, que decorreu em janeiro, 28% dos eleitores deram o seu voto a Carlos Cortes. Satisfeito com estes primeiros resultados, refletidos nos mais de seis mil votos que conseguiu, o candidato salienta que as votações “também muito expressivas” obtidas pelos restantes candidatos “deve obrigar o próximo bastonário a ter uma visão agregadora e de abertura às várias sensibilidades. A Ordem dos Médicos constrói-se com o contributo de todos”, afirma.

 

Jornal Médico (JM) | Como recebeu a informação dos resultados desta primeira ronda?

Carlos Cortes (CC) | Naturalmente com satisfação, mas ainda preocupado com a alta taxa de abstenção, apesar da participação elevada e inédita dos médicos nesta primeira volta. Há ainda um longo caminho a percorrer, a Ordem dos Médicos tem de aprofundar o seu esforço de aproximação aos seus associados para os envolver ainda mais. É fundamental uma elevada participação para reforçar o papel desta instituição.

JM | Fica desde já patente que havendo seis propostas para a Ordem dos Médicos manifesta um espírito proativo na comunidade médica. Que mensagem gostaria de dirigir aos seus colegas que se propuseram a este cargo?

CC | Tenho um profundo respeito por quem se dedica a causas, prejudicando frequentemente outros aspetos da sua vida, como a vida familiar, social e até profissional. A diversidade de candidaturas mostrou um interesse redobrado dos médicos pela sua Ordem. Esse interesse tem de ser aproveitado, respeitando a vontade que os médicos expressaram nos resultados da primeira volta. Não deixarei de contar com todos os que pretendem participar e contribuir para enaltecer o papel da Ordem e dos médicos.

JM | Que comentário faz à taxa de abstenção?

CC | Desceu de 71% para 62%, o que é animador, mas ainda muito insuficiente. Os dados têm de obrigar a uma reflexão profunda sobre aquilo que será necessário fazer. Por exemplo na área da formação médica, na oferta formativa que a Ordem dos Médicos pode proporcionar, no apoio jurídico que os médicos necessitam, no apoio solidário aos médicos com dificuldades, no apoio às questões ligadas à violência contra os médicos, ao burnout e em muitas outras áreas. Creio que a taxa de abstenção só diminuirá com uma Ordem dos Médicos interventiva e de proximidade.

JM | De que modo ter exercido o cargo de presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos, no seu entender, o prepara para o exercício de Bastonário?

CC | O trabalho feito na Secção Regional do Centro foi muito importante para perceber o que pode ser replicado à escala nacional. Citarei três exemplos elucidativos: a criação do Gabinete de Apoio à Investigação Científica e à Medicina baseada na evidência; Gabinete de Apoio ao Médico, com vários protocolos de atuação; e o Gabinete de Formação com propostas de cursos e apoio à formação. Sem conhecer o funcionamento da Ordem dos Médicos é impossível mudá-la com responsabilidade e segurança. A Ordem dos Médicos é uma estrutura muito complexa que precisa de ser reformada com procedimentos mais agilizados e uma verdadeira transformação digital.

JM | Nas linhas gerais da sua candidatura sobressai o conceito de União dos médicos. Citando o seu programa, diz: “A Medicina não joga com individualismos, exclusivismos ou qualquer tipo de intolerância de grupo. Não há progresso se não estivermos unidos e sem fazermos este caminho em conjunto”. O que tem desunido a comunidade médica? E o que propõe para reverter pontos de desunião?

CC | Em primeiro lugar, é preciso perceber que os médicos têm várias tutelas, Ministério da Saúde; Ministério da Defesa Nacional; Ministério da Justiça; Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior; Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e a Secretaria de Estado da Juventude e Desporto.

Além disso, alguns trabalham no setor público, outros no setor privado e social seja em ambiente hospitalar, nos cuidados de saúde primários ou nos cuidados continuados. Isso significa que existe uma grande heterogeneidade que o Bastonário tem de saber atenuar, defendendo uma igualdade de tratamento para todos estes médicos, respeitando, obviamente, as caraterísticas de cada um.

O bastonário tem de ser um polo agregador e de união dos médicos para atingir os principais objetivos: melhorar as condições de trabalho e prestar uma atividade de elevada qualidade. Existem muitos aspetos que unem os médicos, tais como a exigência de uma boa formação médica, tanto no internato médico como ao longo da vida profissional, a qualidade dos atos praticados, uma medicina humanizada que assente na relação médico-doente, uma carreira médica justa e com progressão adequada, remunerações compatíveis com o elevado grau de diferenciação e responsabilidade da profissão médica.

JM | Na sua candidatura fala da figura do médico enquanto provedor do doente e afirma a importância do comportamento ético e deontológico do médico. Como comenta os casos de negligência médica e má prática que têm sido denunciados via comunicação social?

CC | A Ordem dos Médicos tem poderes delegados do Estado. Uma das suas incumbências tem a ver com a regulação, nomeadamente nos aspetos éticos e deontológicos. Esse papel é absolutamente fundamental, tem de ser desempenhado corretamente pela Ordem dos Médicos e não ter interferências externas. A Ordem deve ser garante de uma boa prática médica.

JM | E que medidas pode a Ordem implementar para acautelar a prática negligente?

CC | Temos de ter em atenção que a má prática em Saúde é muito frequente fora do âmbito da atividade médica. Desde logo, nas chamadas terapêuticas sem evidência científica consolidada. Tais terapêuticas resultam por vezes, infelizmente, em muitas complicações que acabam por ser resolvidas pelos médicos. Os processos que dão entrada nos Conselhos Disciplinares ou no Conselho Superior da Ordem dos Médicos têm de ser tratados com a maior celeridade e rigor possível para evitar o arrastamento de processo e as suas consequências para os doentes e os próprios médicos. A Ordem dos Médicos terá de fazer um importante investimento para aprimorar a resposta disciplinar.

JM | Apresenta 10 propostas-chave para modernizar a OM, por onde começaria?

CC | Começaria por mostrar que o bastonário representa todos os médicos, sob a tutela de todos os ministérios, do setor público, privado ou social, dos Cuidados de Saúde Primários, hospitalares ou continuados, de todas as especialidades, médicos internos e médicos sem especialidade. Pugnaria, desde logo, por introduzir um fator de igualdade na defesa dos médicos e dos seus direitos, no acesso à sua formação e a uma carreira médica justa.

JM | Que condições devem ser dadas aos profissionais para os cativar para as áreas mais carenciadas?

CC | Têm de ser asseguradas condições adequadas para o exercício da medicina com projetos assistenciais, formativos e de investigação. Não podemos esquecer que esses médicos não se deslocam sozinhos e, por isso, é preciso criar atrativos de fixação para todo o agregado familiar. Esta questão não pode estar desligada da coesão territorial. Não é só criando condições no setor da Saúde que se conseguirá fixar profissionais de saúde, é preciso ter um plano integrado que possa abranger outros setores como a educação, a cultura, a habitação, etc. Finalmente a questão remuneratória é fundamental e essencial. Os médicos que trabalhem em serviços considerados carenciados devem ter um complemento remuneratório.

JM | Assume a carreira médica como ponto primordial da sua candidatura. Afirma que: “Concebo carreiras médicas com critérios bem definidos aplicadas ao setor público, privado e social”. Quais os critérios diferenciados que defende entre estes 3 sistemas?

CC | Não há critérios diferenciados, precisamente. Há critérios únicos que devem contemplar o desenvolvimento profissional técnico e científico, os conhecimentos práticos e teóricos adquiridos, a experiência acumulada. As carreiras médicas devem servir como um estímulo para o desenvolvimento profissional, mas também como um incentivo. São um elemento fundamental da organização das instituições de saúde e do funcionamento das equipas. Não aceito desigualdades, nem entre especialidades, nem entre níveis de cuidados de saúde, nem entre ministérios. Os médicos devem ter as mesmas oportunidades de progressão nas carreiras. Farei tudo para combater quaisquer diferenças e desigualdades. Temos de começar a caminhar para carreiras adaptadas a todos os setores de atividade médica, mesmo a título de exemplo no ensino, na formação e na investigação.

 

O (Des)alento da Medicina Geral e Familiar no Serviço Nacional de Saúde
Editorial | Joana Torres
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