Tiago Villanueva: Enquanto presidente, o objetivo passa por “inspirar, influenciar e mobilizar as delegações dos vários países da UEMO”
DATA
09/02/2023 17:49:26
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Jornal Médico
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Tiago Villanueva: Enquanto presidente, o objetivo passa por “inspirar, influenciar e mobilizar as delegações dos vários países da UEMO”

Editor-chefe da Acta Médica Portuguesa, revista científica da Ordem dos Médicos, Tiago Villanueva foi eleito, em novembro de 2022, presidente da UEMO – European Union of General Practitioners / Family Physicians, organização europeia dos médicos de família. Quais os principais desafios, objetivos, medidas, e que marca gostaria de deixar na organização, são alguns dos pontos que resultam nesta entrevista. Leia na integra.

Jornal Médico (JM) | No comunicado aquando da sua eleição, refere que sabe que tem um “grande desafio” desde de janeiro, mas que tem “bem presente o que tem de fazer para levar os objetivos a bom porto”. Quais são as suas prioridades a médio prazo e com que parceiros pretende trabalhar?

Tiago Villanueva (TV) | Para já temos de nos focar nas questões centrais que mais preocupam os médicos de família em toda a Europa, nomeadamente a valorização profissional, as condições de trabalho e a remuneração. Nos últimos anos, a UEMO tem-se dispersado numa série de outros temas que não são considerados tão prioritários e isso tem deixado algumas delegações muito insatisfeitas, veja-se por exemplo a Alemanha que deixou de ser membro pleno e passou a ser apenas observador.

Temos também de recuperar países como a Alemanha e outros que já não são membros, bem como atrair novos países, e repensar a forma de financiamento da organização, que depende apenas das quotas dos países membros. Em termos de parceiros, ou stakeholders na gíria Europeia, já trabalhamos com muitos daqueles com quem pretendemos trabalhar, nomeadamente as instituições Europeias, que incluem a Comissão, o Parlamento Europeu e as agências técnicas da União Europeia, e as organizações médicas Europeias. Mas será fundamental estreitar mais as relações com a Comissão Europeia, nomeadamente do departamento que lida diretamente com as questões de saúde, a DG-Santé, e as outras Organizações Médicas Europeias, algumas das quais também presididas por médicos Portugueses, como a CEOM e a FEMS.

JM | Os médicos de família em Portugal ressentem-se do excesso de trabalho burocrático que lhes retira o tempo valioso para o exercício da prática, assim como, dos constrangimentos financeiros e condições de trabalho que retiram a atratividade à especialidade. Do ponto de vista mais amplo, esta situação impacta negativamente nos CSP e no garante do SNS. Quais seriam os primeiros passos concretos para iniciar a reversão desta situação?

TV | Para já sentir que os decisores escutam as preocupações de quem está no terreno em vez de sentir sempre que se tomam decisões superiormente sem consultar quem atende os utentes todos os dias. Para já sentir que somos valorizados e  reconhecidos pelas chefias e pelos decisores em vez de apenas peças numa grande máquina a quem é pedido para dar mais e mais de si, mesmo num contexto de condições de  trabalho adversas.

Depois, acho que para já seria fundamental tornar a profissão mais flexível. Sinto que os decisores esperam que os médicos de família tenham todos contratos de 40 horas, mas isso hoje em dia é muito pouco atrativo. 

Se fosse possível a todos os recém-especialistas escolher quantas horas por semana querem trabalhar, estou seguro que isso aumentaria a probabilidade de ficarem no SNS, e o mesmo se aplica aos especialistas que já estão no SNS e a contemplar sair. 

Neste momento, sem mais flexibilidade generalizada, é muito difícil a um médico de família poder desenvolver outros interesses profissionais ou acumular com uma carreira académica ou de investigação, ou outro tipo qualquer de atividade profissional, se for o caso. Esta diversificação profissional aumenta o sentimento de realização profissional e diminui o risco de burnout, que é muito elevado nos Cuidados de Saúde Primários.

Também é necessário rever a dimensão da lista de utentes dos médicos de família. Os colegas suecos já estudaram o problema das listas de utentes a fundo, há um documento com toda a fundamentação técnica e científica disponível, e chegaram à conclusão que o limite devia ser colocado nos 1200 utentes.

Seria também desejável rever o sistema de indicadores de forma a simplificá-lo o mais possível e incluir apenas indicadores que estejam o mais associados possível a melhoria de outcomes nos utentes, seja em termos de morbilidade ou mortalidade e com decisões baseadas não só na evidência, mas também nas características da população. Por exemplo, os Britânicos estão a ir por esse caminho depois de se aperceberem que o seu sistema de indicadores não levou a reduções da mortalidade da população e na Escócia até já abandonaram de todo esse sistema.

 JM | Aumentar a visibilidade da especialidade de Medicina Geral e Familiar, “sensibilizar os decisores a nível das instituições europeias para as preocupações e desafios que os médicos de família por toda a Europa”, afirmam-se como os principais objetivos do seu mandato. Pensando nos 25 países que integram a UEMO, quais são os pontos comuns “de batalha” entre os especialistas de cada país?

TV | São essencialmente os mesmos que os dos médicos Portugueses (e que referi acima), mas não são sentidos da mesma forma em todos os países. Por exemplo, os colegas Espanhóis estão a sentir muito e da mesma forma ou até pior os mesmos problemas que nós (mobilizando-se em greves prolongadas). Mas se perguntar a um médico de família Suíço quais são os seus grandes problemas terão mais dificuldade em responder, porque são muito mais valorizados, financeiramente e em condições de trabalho. Não, se pode, contudo, generalizar a ideia de que são os países do sul e do leste da Europa que estão mal, enquanto que os do Norte estão bem, porque a MGF no Reino Unido, por exemplo, está a atravessar uma situação muito complicada por falta de profissionais. E em França, o maior país da Europa em área de superfície, há uma escassez enorme de profissionais, sobretudo em áreas remotas.

JM | Sucede à presidência romena. Que medidas pretende manter, melhorar ou, até, não continuar em relação à presidência anterior?

TV | A presidência Romena fez um trabalho excelente, é preciso em primeiro lugar reconhecer isso, e a bitola foi elevada bem alto.

Gostava em primeiro lugar de continuar a investir na coesão dentro do board. Por outro lado, acho que é necessário otimizar a relação com a Comissão e o Parlamento Europeu. Durante a Presidência Romena houve um trabalho notável com as Agências técnicas, nomeadamente a EMA e a HERA, mas não conseguimos ter a mesma influência com as instituições centrais em Bruxelas.

JM | Que cunho pessoal gostaria de conferir à presidência da UEMO nestes 3 anos?

TV | O grande cunho seria, com genuína paixão, trabalho sério e pragmatismo, conseguir inspirar, influenciar e mobilizar as delegações dos vários países da UEMO em torno da concretização dos nossos objetivos estratégicos. Por outro lado, fazer chegar as questões-chave da nossa especialidade aos órgãos de decisão quer fora quer dentro de Portugal.

O (Des)alento da Medicina Geral e Familiar no Serviço Nacional de Saúde
Editorial | Joana Torres
O (Des)alento da Medicina Geral e Familiar no Serviço Nacional de Saúde

A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.