A propósito da 3.ª Edição das Jornadas MGF Além Fronteiras, Mafalda Borda d'Água, presidente da Comissão Organizadora das Jornadas e da MGF Além Fronteiras (MGFAF), aborda as expectativas para a edição de um evento que aborda temas fraturantes como a violência doméstica ou a dependência virtual nos jovens, para, desta forma capacitar os profissionais de Medicina Geral e Familiar a identificar estas situações em consulta, percebendo qual o seu papel nestas temáticas, para assim, facilitar a sua gestão. Além disso, Mafalda Borda d'Água, indica o papel da MGFAF, através das iniciativas que leva a cabo. Leia a entrevista na íntegra.
Jornal Médico (JM) | Antes de falarmos sobre o congresso, gostaríamos de saber mais acerca do MGF Além Fronteiras. O que caracteriza a vossa associação? O que têm em comum os vossos associados?
Mafalda Borda d'Água (MBA) | A Associação MGFAF® nasceu com o intuito de valorizar a dinâmica entre todos os seus membros e contribuir para a melhoria da formação do Internato Médico de Medicina Geral e Familiar (MGF) e da qualidade dos Cuidados de Saúde Primários prestados à população portuguesa. Assim, planeamos ir ao encontro das expectativas dos médicos internos e especialistas em MGF proporcionando oportunidades para alcançar os seus objetivos formativos durante e após o internato médico. Além disso, pretendemos também dar a oportunidade de médicos (internos e especialistas) de outras especialidades participarem também nas nossas atividades, nomeadamente nos Cursos MGFAF e, deste modo, chegar cada vez a mais pessoas. Neste momento, já contamos com cerca de 80 Sócios MGFAF, todos médicos internos de MGF, desde Norte ao Sul do país, e que serão certamente médicos interessados em melhorar os cuidados de saúde e em aprender mais sobre uma medicina cada vez mais exigente. Ser sócio da Associação MGFAF® traz também outras vantagens, nomeadamente no acesso prioritário e descontos em eventos por nós organizados, tal como as Jornadas MGF Além Fronteiras e os Cursos Além Fronteiras.
JM | O projeto “Saúde Além Fronteiras” integra a vossa atividade. O que tem sido feito até agora? E quem participa?
MBA | O projeto "Saúde Além Fronteiras" da Associação MGFAF® surgiu com o principal objetivo de promover a literacia em saúde, desmistificando alguns mitos e aproximando também os utentes dos Médicos de Família e dos Cuidados de Saúde Primários. Assim, temos realizado sessões gratuitas de Educação para a Saúde, as "Conversas Certeiras" do Projecto "Saúde Além Fronteiras" num ambiente descontraído e informal, sobre variados temas de saúde em geral com interesse para todos. É um espaço onde todos podem colocar as suas dúvidas, esclarecer mitos e factos, fazer comentários, sem medos ou tabus.
Todas as sessões até agora realizadas, aconteceram em formato online e em directo, em língua portuguesa, sendo que todos os interessados acedem à mesma através da nossa página do Instagram (@mgfalemfronteiras). Todas as "Conversas Certeiras" são gravadas com a devida autorização dos seus interlocutores e são posteriormente partilhadas nas nossas redes sociais para poderem ser vistas e revistas em diferido. Normalmente estão sempre dois profissionais de saúde à conversa, um médico pertencente à Comissão Organizadora (médicos internos de MGF) e outro profissional por nós convidado. Deste modo, já tivemos a colaborar connosco o Dr. Francisco Coelho Santos (médico interno de MGF), a Dr.ª Nádia Sepúlveda (médica especialista em MGF), a Dr.ª Sandra Ribeiro (nutricionista), a Dr.ª Inês Homem de Melo (médica psiquiátrica) e o Dr. Lima Nogueira (médico especialista em MGF).
Já realizamos 6 "Conversas Certeiras" entre setembro e dezembro de 2022, tendo abordado temas como "Quem é o Médico de Família?", "Qual o papel do Médico de Família na Saúde da Mulher?", "Rastreios, análises e exames: Quando devo fazer?", "Como fazer uma alimentação saudável?", "Qual o papel do Médico de Família na Saúde Mental?" e "Quando ir ao Médico de Família? Quando ir às urgências?". Obviamente que já temos mais temas e sessões pensados, que a seu tempo serão divulgados nas nossas redes sociais. Além disso, também no âmbito deste projecto de Educação para a Saúde - "Saúde Além Fronteiras" -, no final de cada sessão realizamos e partilhamos nas nossas redes sociais um "post-resumo" com os principais temas falados durante essa sessão, para que de forma simples e rápida as pessoas possam aceder a informação fidedigna sobre um determinado tema.
JM | É notório no vosso programa que trazem para o contexto de um evento médico temas fraturantes e alguns apenas falados em surdina, tais como a violência doméstica ou a dependência virtual nos jovens. O que vos leva a ter esta postura? De que forma identificaram os palestrantes para os temas sensíveis?
MBA | Sempre foi o nosso objectivo criar e ter umas Jornadas com temas "além do habitual", daí também a escolha do nosso nome e a nossa identidade. Gostamos realmente de abordar temas do nosso dia-a-dia que não costumam ser abordados noutros congressos, de modo a capacitar os Médicos de Família na abordagem holística e mais completa ao doente. Os temas que mencionaram são exemplos de problemas que, infelizmente, estão a acontecer atualmente nas casas dos nossos utentes, que apesar de muito prevalentes são muito pouco abordados, e que nos quais os médicos de família não tiveram formação específica e adequada. Assim, o objetivo é capacitar os Médicos de Família a rastrear e a abordar estas patologias em consulta, perceber qual o seu papel nestas temáticas, facilitando a sua gestão.
JM | Referem, em nota publicada no website, que conseguiram criar algo "além fronteiras". Quais as expectativas para esta edição?
MBA | As expectativas são grandes. Quisemos crescer e arriscar. E, desta vez, e pela primeira vez, apostámos numa edição em formato híbrido. Contudo, as responsabilidades e a exigência são também maiores. Será a primeira vez que vamos ter presencialmente participantes e, é também a primeira vez, que nos poderão conhecer cara a cara. Além disso, apostámos num local chamativo (Hotel Solverde Spa & Wellness Center - Espinho, Vila Nova de Gaia) para que, além do interesse no programa, conseguíssemos trazer mais médicos para o formato presencial, já que achamos que com este formato é também importante a troca de experiências e de conhecimentos inter-pares. Simultaneamente, decidimos manter o formato online para conseguirmos chegar a mais médicos e a todo o território nacional (incluído as ilhas), com o objectivo de tentar manter e alcançar os cerca de 700 participantes no total, como felizmente sucedeu nas duas últimas edições.
JM | Um dos temas prende-se com “Abordagem ao doente com síncope”, com a apresentação de casos clínicos. A síncope é considerada uma das principais causas a recorrer aos serviços de urgência. Como é vista aqui a intervenção da MGF?
MBA | O intuito será capacitar mais os médicos de família na abordagem prática e rápida do doente com síncope, dado que na consulta aberta é também um dos problemas que nós nos deparamos. Além disso, não é incomum chegarem-nos à consulta programada doentes que tiveram um episódio de síncope e que não recorreram ao serviço de urgência. Assim, temos como objetivos dar a conhecer elementos da história clínica e do exame objetivo que permitam diferenciar as diferentes causas de síncope através de casos clínicos, e depois consoante isso, perceber quais os exames complementares de diagnóstico a pedir numa avaliação inicial e principalmente de que forma orientar, tendo em consideração que poderemos, em casos específicos, ter mesmo que referenciar o utente para o serviço de urgência.
JM | E acerca dos temas levados a cabo pelos workshops, o que nos pode adiantar acerca deles?
MBA | Relativamente ao workshop "Dr., que mancha é esta?" temos como principais objectivos reconhecer elementos da história clínica e do exame objetivo que permitam diferenciar as diferentes manifestações cutâneas de caráter urgente como celulite, erisipela e doenças sistémicas com manifestações cutâneas (vasculites, doenças infetocontagiosas, reumatológicas, hematológicas…), através da abordagem de casos clínicos e, posteriormente, perceber quais os MCDTs a pedir e qual a orientação clínica após a sua avaliação.
No que concerne ao workshop "Imunoalergologia: quando referenciar?", é claramente um tema muito pouco abordado em MGF, com caraterísticas muito específicas e, de forma geral, o objectivo será dar a conhecer o papel do Médico de Família no doente com patologia do foro da Imunoalergologia. Além disso, perceber qual a abordagem correcta na suspeita do doente com patologia nesta área através da colheita de uma história clínica correcta, de um exame objetivo adequado e da requisição de MCDTs apropriados e, consequentemente, atualizar os conhecimentos, quer teóricos, quer práticos nesta área.
No que toca ao workshop "Ferida? Sr.ª Enf.ª, o que faço agora?" vamos todos ficar a perceber qual a etiologia/fisiopatologia dos diferentes tipos de úlceras (arteriais, venosas, neuropáticas/pressão, pé diabético, mistas/multifatoriais) e qual sua abordagem através da realização de casos clínicos. Além disso, vai ser referida também a abordagem terapêutica no contexto das queimaduras, quais os materiais mais utilizados no tratamento das feridas e quais as técnicas de realização de ligaduras.
Relativamente ao workshop "Psicoterapia Breve em MGF" os participantes irão adquirir competências que permitam reconhecer as indicações e as contra-indicações para a Psicoterapia Breve, conhecer diferentes tipos de Psicoterapia Breve e ainda adquirir competências para aplicação de técnicas de Psicoterapia Breve na perturbação de ansiedade, na perturbação de pânico e na depressão leve.
JM | As vossas primeiras edições contabilizaram mais de 700 participantes, o que foi tido em conta nesta terceira para albergar o crescente número de interessados?
MBA | Tudo o que foi tido em conta agora, já foi tido em conta desde a primeira edição, e portanto, mantivemos sempre a nossa identidade e a nossas ideias. Portanto, nesta edição
tentámos também escolher novamente um programa com temas para "além do habitual", e por isso, é que não temos tido até agora nos nossos programas temas da área do foro cardiovascular, como a Diabetes, a Hipertensão arterial, a Insuficiência Cardíaca, etc, já que são muito abordados noutras Jornadas e Congressos. Acreditamos que seja por isso que conseguimos contar com muitos participantes, porque falamos sempre de temas diferentes, mas de patologias ou problemáticas prevalentes com que os médicos de família se deparam na sua prática clínica diária. Além disso, o facto de ser umas Jornadas online com a possibilidade dos colegas poderem ver e rever as sessões em diferido e o facto de partilharmos as apresentações (os slides), podem ser também um chamativo. E depois a escolha da data é estratégica, já que nesta altura, não há muitos congressos de MGF e, sendo um fim de semana prolongado, é possível que os médicos tenham mais interesse em participar nas nossas Jornadas.
As 3ª Edição das Jornadas MGF Além Fronteiras vão decorrer nos dias 27 e 28 de abril , em formato hibrido, no Hotel Solverde Spa & Wellness Center.
A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.