1.º Encontro de MGF em Braga foca-se na “atividade do médico voltada para o bem-estar e qualidade de vida do utente”
DATA
08/03/2023 09:09:30
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Jornal Médico
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1.º Encontro de MGF em Braga foca-se na “atividade do médico voltada para o bem-estar e qualidade de vida do utente”

Inês Oliveira Dias, presidente da comissão organizadora do encontro, e Jorge Hernâni-Eusébio, presidente da comissão científica, conversam, em entrevista de antevisão, acerca daquele que será o 1.º Encontro de Medicina Geral e Familiar de Braga. Leia a entrevista na íntegra.

Jornal Médico (JM) | Este evento trata-se do primeiro encontro alargado promovido pela Associação de Internos de MGF de Braga, que se irá estender a especialistas de Medicina Geral e Familiar (MGF). O que vos fez “dar o salto” para um encontro maior?

Inês Oliveira Dias (IOD) | Um dos vetores primordiais de atuação do NIBraga é a formação dos seus pares. Tendo isto em consideração e imbuídos pelo salto que o NIBraga deu em 2022 ao constituir-se como Associação de Internos, sentimos a necessidade de fazer um evento mais robusto e com mais participantes. Assim, esperamos neste evento entre 150 a 200 participantes, não só médicos internos e especialistas em MGF, como também estudantes de medicina, médicos de outras especialidades e outros profissionais de saúde, dada a transversalidade do programa.

Este Encontro procura ainda envolver-se de um conceito muito específico, o de realçar o trabalho de excelência que se faz em Braga em termos clínicos, científicos e académicos. Assim, optámos por um programa exclusivamente constituído pela “Prata da Casa”. Também a Comissão Científica é constituída exclusivamente por esta “Prata da Casa” altamente diferenciada nas áreas previamente citadas e presidida pelo Dr. Jorge Hernâni-Eusébio, primeiro Presidente e fundador do NIBraga.

JM | Podemos dizer que estes eventos científicos de núcleos regionais são também reflexo das especificidades das populações. Como poderia caracterizar a população servida pelos CSP de Braga?

Jorge Hernâni-Eusébio (JHE) | Além de serem um reflexo das especificidades das populações, são também um espelho das necessidades formativas sentidas pelos profissionais dessas áreas e das áreas do conhecimento que gostariam de aprofundar em termos de formação médica contínua, de uma forma muito personalizada e próxima.

A população de Braga tem algumas características das quais os profissionais dos Cuidados de Saúde Primários devem ser conhecedores. Existe uma multiplicidade cultural e geracional que inserem nesta população uma heterogeneidade característica de centro urbano cosmopolita. Contudo, e também tendo em conta uma alargada área de influência que inclui várias zonas rurais, existe também um grande número de população idosa, com múltiplas comorbilidades e complexidade variada.

JM | O programa pensado para o 1.º Encontro demostra estar bem conectado com realidades sociais, trazidas para o consultório, como as adições socialmente aceites e do que não se fala em matéria de saúde pediátrica, como os maus tratos. O que vos motivou a assumir este tipo de temas?

IOD | Ao desenhar o programa deste Encontro procurou-se destacar as áreas de atuação de excelência do nosso ACeS e do Hospital de Braga, assim como evidenciar os bons projetos em vigor na academia minhota. O NIBraga tem conseguido, através dos “Porta Aberta a…” (série de cursos crash-course online que tiveram início em outubro de 2020), criar um espaço formativo dito “clínico e prático” da Medicina, procurando no Encontro aprofundar ainda mais esta vertente formativa e complementá-la com componentes psicossociais e culturais da abordagem ao utente, numa atividade do médico voltada para o bem-estar e qualidade de vida do utente, muito para além da cura da doença.

JHE | Considerou-se cada um desses temas específicos como relevantes para discussão. Senão veja-se: quando pensamos em comportamentos aditivos, certamente não nos ocorre de imediato o vício do jogo (que pode ser tão “somente” um vício em raspadinhas, como sugere um estudo recente do nosso palestrante convidado, o Professor Doutor Pedro Morgado). Certamente que não será o vício da comida que nos ocorrerá ou até o vício do sexo. Este é apenas um exemplo de áreas do conhecimento “fora da caixa” que considerámos importante abordar, já que o simples conhecimento da sua existência aumenta a awareness para a sua pesquisa em consulta e possível orientação para cuidados diferenciados, caso sejam necessários.

Também na idade pediátrica há inúmeros temas com escassa presença na formação pré-graduada e sem presença na formação obrigatória do currículo do Internato Médico de Medicina Geral e Familiar, mas com os quais iremos contactar certamente ao longo da nossa prática. Referem-se os maus tratos, sendo a articulação com as entidades responsáveis pelo apoio a crianças e jovens em risco um tema a abordar. Ainda uma palavra sobre a amamentação e puericultura, dois temas presentes em todas as consultas de saúde materna e saúde infantil e juvenil nos primeiros anos de vida e que têm um mundo de novidades e conhecimentos que se quererão transmitir aos participantes.

JM | Outro tópico que sobressai é a questão da gestão emocional e da comunicação em saúde, para profissionais. Que carências identificam e procuram de alguma forma colmatar com este painel?

IOD | A comunicação em saúde é a grande arma de constituição de relação terapêutica ao dispor do médico de família, colocando-se com um grau de importância tão grande como a realização de diagnósticos e tratamentos, já que é a forma como comunicamos com a pessoa que se apresenta perante nós que lhe permite compreender o seu estado de saúde e doença, assim como o plano delineado em conjunto. Não acreditamos, contudo, que exista uma carência de aprendizagem destas estratégias, sendo relevante revisitar alguns conceitos de outros pontos de vista, como faremos no Encontro.

Relativamente à gestão de emoções, esta será abordada bilateralmente. Se por um lado as emoções do utente estão presentes na nossa prática, associadas a diagnósticos e a gestão da doença, seria impensável não considerar as emoções do profissional de saúde que segue o utente, que o conhece e que o acompanha longitudinalmente ao nível dos Cuidados de Saúde Primários.

Importa não esquecer, sendo a prevenção quinquenária um aspeto em voga na prestação de cuidados atual, que antes de sermos profissionais de saúde somos pessoas, com vida pessoal e social (e seus inerentes problemas e vicissitudes). Num mundo em constante mudança, torna-se imperioso que o bem-estar do profissional seja uma prioridade, não só na sua individualidade, mas também no seio das suas relações interpessoais profissionais. Assim, iremos abordar este novo conceito de fitness emocional no seio de equipas de saúde, tema que esperamos que seja muito participado.

JM | Do dia 17, da parte da tarde, a conversa da sessão vai centrar-se na Humanização de Cuidados em MGF. Como justificam este painel? Estará a Medicina a tornar-se menos próxima das pessoas, por via do foco em parâmetros, indicadores e resultados…

JHE | Pese embora que todos esses fatores possam acrescer como uma dificuldade à prática de uma medicina humanizada e humanitária, não creio que esta se esteja a afastar das pessoas. Pelo contrário, consideramos que existe um esforço crescente para a prestação de cuidados mais humanistas, personalizados e biopsicossociais.

A humanização de cuidados é hoje uma tendência e uma premência, procurando que os profissionais de saúde atuem na comunidade em que se inserem de forma mais inclusiva, conhecedora e em equidade. Conhecimentos sobre necessidades específicas de cada comunidade vão facilitar essa aproximação às pessoas que dela fazem parte, humanizando este contacto.

O Médico de Família, ao lidar com a pessoa no seu todo, deve munir-se destes conhecimentos para assim melhorar esta relação que cada vez mais se quer simbiótica, numa perspetiva de não apenas prevenir a tratar a doença, mas também de cuidar da pessoa e zelar pela sua vida e pela sua vida com dignidade e qualidade.

IOD | Importa referir que esta sessão partiu de um mote muito singular: a humanização de cuidados é um vetor estratégico do ACeS de Braga há alguns anos, existindo uma equipa de trabalho a exercer funções nesta área de governação. Pensámos ser importante esta divulgação do trabalho já realizado neste tema e ainda a partilha de perspetivas nesta área tão abrangente, focando neste caso os cuidados dignos em fim de vida, a justiça social e as desigualdades sociais.

JM | Fazem parte do programa dois workshops, um focado no acompanhado do doente oncológico, e outro do foro das infeções respiratórias. Como auscultaram as necessidades formativas?

IOD | Procuramos oferecer um leque diversificado de workshops, que vão da prevenção e tratamento de infeções respiratórias à contraceção de longa duração, procurando suprir necessidades formativas distintas e interesses vários. Estes workshops partiram da iniciativa do NIBraga, após auscultação interna de necessidades formativas dos colegas, em parceria com os nossos patrocinadores e com os colegas dos serviços hospitalares com quem previamente já realizámos eventos formativos.

O (Des)alento da Medicina Geral e Familiar no Serviço Nacional de Saúde
Editorial | Joana Torres
O (Des)alento da Medicina Geral e Familiar no Serviço Nacional de Saúde

A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.