A Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos (SRCOM) afirmou estar contra "a forma encapotada" de como o anterior Governo quis encerrar as urgências do Hospital dos Covões, em Coimbra, e apelou a que o novo ministro da Saúde reveja a situação.
Num despacho, o anterior Governo optou por encerrar o serviço de urgência do Hospital dos Covões, do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), sendo que o Ministério acabou por recuar e publicou posteriormente novo despacho em que validava as urgências dos Covões.
No entanto, este novo despacho determina que passa a ser a Administração Regional de Saúde do Centro (ARSC) a definir os horários e a tipologia do serviço, sublinhou o presidente da SRCOM, Carlos Cortes, considerando que esta medida é uma "forma encapotada" de fechar esse mesmo serviço.
O presidente da Ordem dos Médicos do Centro fala em desonestidade e cobardia na decisão da tutela, sublinhando que a medida é "irresponsável".
Carlos Cortes recorda que o serviço de urgências do Hospital Universitário é tutelado pelo conselho de administração do CHUC, sendo que o dos Covões também deveria ser tutelado pelo mesmo órgão.
No seu entender, "o serviço de urgência dos Covões não poderá ser encerrado enquanto não houver um estudo atual, depois da fusão" que ocorreu entre os Hospitais da Universidade de Coimbra, o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Coimbra e o Centro Hospitalar de Coimbra.
O responsável acrescentou ainda que as próprias urgências dos Hospitais da Universidade "têm dificuldades" em garantir "uma boa prestação de cuidados de saúde".
"Não faz sentido nenhum encerrar o serviço", frisou, sublinhando que só depois da avaliação dos serviços dos dois hospitais se poderá "pensar numa reestruturação das urgências do CHUC".
Carlos Cortes apelou ainda a que o novo ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, recue "na decisão tomada" pelo anterior executivo relativamente à urgência dos Covões, querendo que a definição da tipologia e horário deste serviço volte a ser da responsabilidade do conselho de administração do CHUC.
O novo ministro da Saúde garantiu, no último sábado (28 de novembro), ir defender “sem crispação” o Serviço Nacional de Saúde (SNS), destacando a promoção da Saúde como um “importante capítulo no programa do Governo”.
“Contamos muito convosco e garanto-vos que quer eu, quer a equipa do secretário de Estado da Saúde [Fernando Araújo] (…) vamos fazê-lo sem crispação, num diálogo que procure fazer uma construção de um caminho onde naturalmente teremos de ser resilientes perante as adversidades, teremos que assumir com humildade os erros e contamos, para isso, com a vossa ajuda”, declarou, Adalberto Campos Fernandes, no encerramento do XVIII Congresso Nacional de Medicina, que terminou dia 28 de novembro no Porto.
O ministro da Saúde recusou-se a falar das linhas programáticas para a Saúde, porque o programa do Governo ainda não foi aprovado pelos membros eleitos pela Assembleia da República, mas declarou que vinha trazer uma “mensagem de incentivo e de confiança”.
“Os objetivos de defesa do Serviço Nacional de Saúde que nós temos proclamado na retórica e na escrita ao longo dos últimos anos, e de defesa de promoção de saúde, integram um importante capítulo no programa do Governo, relativo àquilo que nós chamamos prioridade às pessoas”, disse, garantindo que “ao longo da legislatura” vai ser esse “o traço identitário da ação governativa”.
Para Adalberto Campos Fernandes, defender o SNS é antes de mais “defender uma medicina de qualidade” e para isso pediu aos médicos colaboração.
“À volta de uma mesa numa discussão, a discussão terminará sempre e só quando nos entendermos sobre uma coisa: qual é o interesse público. Nós todos estamos orientados para servir uma coisa só. O interesse público e os nossos interesses são secundários”, advertiu o ministro sobre um setor com “muitas corporações, com muita pressão”, dizendo que se tem de estar ao “serviço dos doentes” e da “dignidade humana”.
“Temos bem presente a ideia de que o SNS de qualidade constitui um pré-requisito fundamental para uma sociedade mais justa e mais equilibrada. Estamos por isso convictos da necessidade de conjugar esforços com todos os profissionais de saúde (…), bem como da importância de gerar convergência nas iniciativas apenas com um objetivo muito simples: dar um fôlego às aspirações das pessoas, valorizar os seus direitos e dando oportunidade de que possam realizar as suas expectativas”.
Adalberto Campos Fernandes referiu que o SNS “é a grande conquista dos portugueses e da democracia portuguesa” e argumentou que se tina de “inverter a situação e recuperar a confiança dos portugueses”.
O bastonário da Ordem dos Médicos (OM), José Manuel Silva, revelou no último sábado, 28 de novembro, ter “expectativas muito positivas” para a futura atuação do novo ministro da Saúde e elege a “reforma dos cuidados de saúde primários” como a principal preocupação.
“Há várias medidas urgentes, mas a primeira grande preocupação de qualquer ministro da Saúde terá que ser com a reforma dos cuidados de saúde primários. Todo o Sistema de Saúde estará desequilibrado enquanto houver cidadãos portugueses sem acesso a um médico de família. Essa deve ser a grande preocupação”, declarou o bastonário da OM, à margem XVIII Congresso Nacional de Medicina, que terminou nesse dia na cidade do Porto.
José Manuel Silva reconheceu várias qualidades ao novo ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, e disse que oferece "todas as expectativas positivas".
“Este ministro oferece-nos todas as expectativas positivas. É uma pessoa conhecida e reconhecida pela sua qualidade, pela sua formação, pela sua competência, pela sua experiência e pela sua capacidade de diálogo. Portanto, temos fundamentadamente expectativas muito positivas quanto aquilo que irá ser a sua atuação como ministro da Saúde, até porque é alguém que tem uma sensibilidade e uma preocupação especial para com a qualidade dos serviços de saúde e o Serviço Nacional de Saúde”.
A outra preocupação que o bastonário da Ordem dos Médicos destacou como urgente prende-se com uma aposta na “prevenção” para reduzir custos na Saúde.
“É uma forma positiva e construtiva de reduzir os custos em Saúde”, declarou, lamentando que se tenham perdido “quatro anos de total ausência de aposta na prevenção” e dando o exemplo da diabetes.
“Se pensarmos no exemplo da diabetes (…), a diabetes de adulto é praticamente uma doença totalmente previsível com um estilo de vida saudável, e gastando Portugal 1% do Produto Interno Bruto com a diabetes, é lamentável que não se tenha apostado na prevenção da diabetes e toda a constelação de fatores de risco que lhe estão associados, nos últimos quatro anos” e há vários meios de o fazer, é uma forma de reduzir os custos de forma inteligente e melhorando a qualidade de vida das pessoas”.
No XVIII Congresso Nacional de Medicina o enquadramento jurídico do ato médico "como um imperativo constitucional" e a necessidade de proteger o doente e combater a corrupção foram alguns dos temas em debate do encontro.
"A escolha do tema - 'Ato médico - dos médicos, pelos doentes' - prende-se com a urgência em informar a sociedade civil e alertar os decisores políticos da necessidade de enquadrar juridicamente o ato médico, como imperativo constitucional", defendeu Miguel Guimarães, presidente do Conselho Regional Norte da Ordem dos Médicos e presidente executivo do congresso, referindo que um dos principais objetivos do evento é recolocar na agenda política o "ato médico".
Adalberto Campos Fernandes é o futuro ministro da Saúde.
Indigitado hoje como primeiro-ministro, António Costa convidou o antigo presidente do Conselho de Administração do Hospital Santa Maria a liderar a pasta da Saúde. Uma escolha esperada, visto que Campos Fernandes era já o coordenador socialista para a área da Saúde.
Nascido em Lisboa a 25 de setembro de 1958, Adalberto Campos Fernandes é licenciado em Medicina pela Faculdade de Medicina de Lisboa, da Universidade Clássica de Lisboa e, no passado dia 18 de novembro, tornou-se Doutor em Administração da Saúde pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
“A combinação público – privado em saúde: impacto no desempenho no sistema e nos resultados em Saúde no contexto português”, foi o título da sua tese de doutoramento, que aborda, nomeadamente, a necessidade de um setor privado com características que sirvam da melhor forma o serviço público.
Médico Especialista em Saúde Pública, Gestor Hospitalar e professor, tem sido uma das pessoas mais visíveis na discussão dos problemas e da organização do setor da saúde em Portugal e uma figura de alto destaque no panorama da gestão dos hospitais portugueses.
Foi presidente dos conselhos de administração do Hospital de Cascais, parceria público-privada e do Centro Hospitalar Lisboa Norte (Hospital de Santa Maria e Hospital Pulido Valente). Desempenhou ainda a função de professor auxiliar convidado da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (ENSP/UNL) nas áreas de Administração Hospitalar, Gestão em Saúde e Políticas de Saúde.
É igualmente membro da direção do Colégio da Competência de Gestão dos Serviços de Saúde da Ordem dos Médicos e do conselho de administração da Fundação para Saúde – Serviço Nacional de Saúde. Integra a direção do INODES (associação de Inovação e Desenvolvimento em Saúde) e o conselho geral da APDH (Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar). Ocupa também o cargo de presidente do hospital SAMS, serviço de saúde dos bancários.
Numa entrevista dada ao Jornal Médico em março deste ano, o agora ministro da Saúde afirmava, sobre o Governo precedente, que “no balanço destes últimos quatro anos o que sobressai como mais evidente é a ausência de uma ideia política clara sobre o sistema de saúde e o papel do Serviço Nacional de Saúde no seu contexto” e defendia que “a reorientação do sistema de saúde português passa pelo reforço dos cuidados de proximidade e pelo investimento em estruturas e recursos humanos que possam transferir a centralidade do sistema para fora do hospital”.
Ainda não foi adiantada uma data para a posse do XXI Governo Constitucional, contudo António Costa espera que a cerimónia possa realizar-se ainda esta semana e que o Programa de Governo possa ser discutido e votado na próxima semana.
O PS garantiu hoje devolver o Serviço Nacional de Saúde (SNS) aos portugueses, se for Governo, criticando a "desvalorização do serviço público" em favor da "privatização progressiva" e de "um sistema de garantias mínimas".
O coordenador socialista para a área da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, afirmou que "nunca como hoje os portugueses pagaram tanto pela saúde e lhes foi tão difícil aceder aos cuidados a que têm direito", lembrando que "mais de 1,3 milhões continuam sem médico de família", em conferência de imprensa na sede nacional do PS, em Lisboa.
"A mesma maioria que bloqueou a reforma dos cuidados da saúde primários promete agora fazer em dois anos aquilo que não conseguiu cumprir numa legislatura inteira", acusou o dirigente do PS, frisando ter-se assistido ainda à "maior saída de sempre de profissionais" para o estrangeiro, além de uma grande "falta de transparência entre os setores público, privado e social".
Para Adalberto Campos Fernandes, professor e gestor hospitalar, "está na altura de devolver o SNS aos portugueses e está na altura também de tirar das notícias dos jornais aquilo que hoje é um exemplo de uma política baseada na ficção, falsidade, falta de verdade para com as pessoas, numa grande falta de respeito pelas necessidades das pessoas que não podem fazer parte daqueles que gastam (em Saúde) 32 euros diretos em cada 100 - algo nunca visto".
"É a mesma maioria que bloqueou uma solução de fundo para a qual o PS quer concorrer e reabilitar, através de uma proposta fundamentada em termos económicos, de criar, logo a partir do início da legislatura, 100 novas unidades de saúde familiar", disse, referindo-se à promessa eleitoral socialista.
O responsável do PS afirmou saber que "a ficção se vai agudizar à medida que se aproxima as eleições", mas vincou que "não foi o PS que mandou para fora, só no último ano 387 médicos", nem "introduziu um clima de hostilidade em que os projetos profissionais dos médicos se tornaram profundamente desinteressantes".
"Face à incapacidade absoluta de resolver o problema, o Governo escolhe os piores caminhos: desqualificar o ato médico e a relação entre profissionais e doentes e encurtar os períodos de formação, contribuindo para um retrocesso de décadas daquilo que é uma história de sucesso", declarou, classificando as propostas da coligação Portugal à Frente (PSD/CDS-PP) de uma mera "repetição das promessas de há quatro anos".
PSD lembra que foi o PS que deixou o SNS “à beira da rutura"
O PSD rejeitou as críticas dos socialistas sobre a desvalorização do serviço público, lembrando que foi o PS que deixou o Serviço Nacional de Saúde (SNS) à beira da rutura.
"O PS é o partido que tentou destruir o SNS, deixou o SNS à beira da rutura, insustentável, numa situação em que faltava dinheiro nos hospitais para comprarem medicamentos, para comprarem dispositivos médicos, ou seja, para assegurar o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde", afirmou o deputado do PSD Miguel Santos, em declarações à Lusa.
Miguel Santos lamentou "o comportamento irresponsável do PS", recordando um ditado popular: "quem não tem vergonha, todo o mundo é seu".
"É isto que carateriza do PS", frisou.
Em resposta às acusações dos socialistas, o deputado do PSD sublinhou ainda que graças ao esforço de todos os profissionais de saúde e do Governo, "o SNS está sustentável e foram pagas dívidas superiores a 2 mil milhões de euros".
Relativamente à promessa do PS de abrir 100 novas unidades de saúde familiares, Miguel Santos recordou que só nos últimos quatro anos abriram sete novos hospitais, 37 centros de saúde e 117 unidades de saúde familiar.
Além disso, continuou, atualmente seis milhões de portugueses estão isentos de taxas moderadoras e há três meses foi alargada a isenção até aos 18 anos.
Quanto ao problema da falta de médicos, o deputado do PSD referiu que nos últimos quatro anos foram contratados 7 mil médicos para o SNS.
Miguel Santos reconheceu, contudo, que Portugal nunca poderá competir com os níveis salariais "astronómicos" que estão a ser oferecidos por outros países, nomeadamente do Médio Oriente, e que haverá sempre médicos a optar por sair do país.
Tem-se verificado na área da Saúde uma persistente dissonância entre o discurso oficial e a realidade. Não faltam exemplos que atestem a afirmação. Desde logo, a restrição orçamental sustentada no controlo da despesa pública com medicamentos e na redução de salários, que não foi acompanhada de alterações estruturais… E os critérios nacionais de acesso à inovação terapêutica que tardam em ser definidos de forma clara.
Lacunas de uma governação que desistiu das reformas anunciadas, agravando o panorama nos cuidados de saúde primários e nos hospitais, e que desinvestiu nos recursos humanos fazendo diminuir a qualidade global das equipas e a respectiva estabilidade em termos de projectos profissionais. Ao mesmo tempo que agravou os pagamentos directos, por parte dos cidadãos, fazendo aumentar as desigualdades no acesso. A análise é de Adalberto Campos Fernandes. Em entrevista ao nosso jornal, o médico e gestor afirma que em certa medida tem prevalecido uma visão minimalista do SNS que, paradoxalmente, não ajudou a resolver praticamente nenhum dos seus problemas estruturais.
JORNAL MÉDICO |Referiu há dias que “o Governo tinha legitimidade eleitoral para aplicar um programa, por exemplo, de privatização, da substituição do sistema público pelo sistema privado, mas ficou a meio da ponte”… Qual a metade que cumpriu e a que ficou por ultrapassar?
ADALBERTO CAMPOS FERNANDES| A política de saúde foi subordinada, quase por inteiro, a uma leitura orçamental. É um facto que as obrigações internacionais, assumidas no memorando de entendimento de 2011, impunham metas difíceis no controlo da despesa pública em saúde. No entanto, o que verificámos foi a aplicação de cortes transversais, para além do fixado no memorando, e um reduzido empenho na concretização de reformas sectoriais com impacto estrutural no sector. A estagnação da reforma dos cuidados de saúde primários (CSP) e a ausência de uma eficaz reforma hospitalar são disso um claro exemplo. Em grande medida perdeu-se uma oportunidade de reformar o modelo de financiamento e de organização do sistema de saúde num contexto em que a generalidade dos intervenientes, no sector da saúde, manifestou um elevado espírito de cooperação. No balanço destes últimos quatro anos o que sobressai como mais evidente é a ausência de uma ideia política clara sobre o sistema de saúde e o papel do Serviço Nacional de Saúde (SNS) no seu contexto.
JM | Que modelo de sistema se adequaria melhor à realidade nacional?
ACF | Nos últimos trinta e cinco anos o modelo constitucionalmente definido provou ser capaz de responder às necessidades dos cidadãos. Quando analisamos a evolução do sistema de saúde português, neste período e, em particular o SNS, constatamos uma impressionante capacidade de adaptação aos diferentes contextos económicos, sociais e políticos que se traduziu, em grande parte, na melhoria global dos indicadores de saúde. Não vejo, por essa razão, nenhuma justificação do ponto de vista político, social e económico para substituir o actual modelo. Outra coisa será a necessidade de introduzir as adaptações necessárias à transição social, económica e epidemiológica que o país vive através da concretização das medidas de reforma que melhor adequem as respostas às necessidades em saúde dos cidadãos.
JM | E de financiamento…
ACF | O modelo de financiamento deverá manter a sua base de contribuição fiscal na medida em que desta forma se garante uma maior equidade contributiva e um melhor equilíbrio nos princípios da cobertura geral e da universalidade. Num país onde persistem importantes desigualdades no rendimento cumpre ao Estado assegurar a mutualização do risco e salvaguardar a equidade no acesso a cuidados de saúde de qualidade. Tal não invalida a necessidade de tornar mais eficiente a relação entre financiamento e implementação das políticas de saúde, nomeadamente, através de um maior grau de eficácia na definição de prioridades bem como nos modelos de contratualização utilizados nos diferentes níveis e com as entidades prestadoras de cuidados. O financiamento terá de ser entendido como um instrumento de indução de eficiência e da equidade incorporando, cada vez mais, uma componente orientada para resultados que possa favorecer uma trajectória de sustentabilidade a longo prazo da despesa pública em saúde.
JM | Apontando os resultados do Relatório sobre o Envelhecimento de 2012, a Comissão Europeia (CE) afirma que o sistema de saúde português enfrenta um desafio de sustentabilidade fiscal, com as projecções da evolução da despesa a crescerem muito acima do valor médio esperado para a União Europeia (UE). É comportável?
ACF | Portugal confronta-se com um problema demográfico muito sério. A redução da natalidade conjugada com o fenómeno recente da emigração de população muito jovem veio agravar ainda mais a tendência de envelhecimento da população que já se vinha a desenhar há muito tempo. Não parece fácil a inversão desta tendência. Acresce o facto de o envelhecimento em Portugal fazer coincidir nos últimos anos de vida uma morbilidade mais complexa e mais impactante na qualidade de vida. Este facto é particularmente relevante quando nos comparamos com outros países com longevidade semelhante no que diz respeito à esperança média de vida. Este contexto social e demográfico faz antever sérios riscos orçamentais para os próximos anos tendo em vista a estabilidade do conjunto das políticas sociais. As opções são limitadas dependendo, sobretudo, da qualidade das escolhas sociais e políticas, em termos de prioridades, bem como da capacidade do país em criar valor através do crescimento da economia e do emprego.
JM | É viável suprir as necessidades de financiamento futuras através do aumento da comparticipação privada na despesa com saúde?
ACF | Não me parece que seja suportável num país com as nossas características sociais e demográficas sem que a tal corresponda um sério agravamento das desigualdades no acesso aos cuidados de saúde. Além disso uma repartição tão desequilibrada nas componentes da despesa induz uma desagregação do sistema de saúde e uma consequente dificuldade na implementação de políticas integradas de saúde.
A restrição imposta ao SNS, nos últimos anos, empurrou muitas pessoas para fora do seu perímetro de utilização não porque o desejassem mas porque as condições de acesso se foram tornando cada vez mais difíceis. Este facto contribuiu igualmente para a desnatação de profissionais do SNS e para um esforço financeiro acrescido por parte dos cidadãos e das famílias.
JM | Uma das medidas, mais vezes apontada como “certeira” nos relatórios internacionais de avaliação das reformas estruturais do sistema de saúde, é a da reorganização hospitalar… Que avança devagarinho, o mais das vezes à “socapa”…
ACF | É verdade que em múltiplos relatórios nacionais e internacionais a reforma hospitalar aparece quase sempre referida como o “alfa e o ómega” da sustentabilidade do sistema de saúde. Também não deixa de ser curiosa a dificuldade repetida, nos diferentes ciclos políticos, em a levar à prática. Creio que nesta dificuldade se misturam diferentes factores. Por um lado a questão do tempo e da oportunidade. Uma reforma dos hospitais é necessariamente matéria a tratar no início de uma legislatura. Tal pressupõe que o “trabalho de casa” deverá estar feito antes. Neste último ciclo político verificámos que a recomendação constante no memorando de entendimento de 2011 não teve aplicação atempada por aparente falta de preparação do processo. Daí a sucessão de estudos e de grupos de trabalho que atrasaram uma qualquer decisão acabando por determinar o seu congelamento. Em qualquer caso trata-se de uma reforma complexa e demorada que deve, obrigatoriamente, compatibilizar rigor técnico com adequação social e territorial.
JM | Como justifica a existência da portaria n.º 82/2014 de 10 de Abril? Foi uma tentativa de passar “entre as gotas da chuva”, ou teve outro objectivo?
ACF | Confesso alguma dificuldade em perceber o objectivo. Aparentemente tratou-se de uma medida legislativa pontual para enquadrar algumas situações decorrentes de falta de recursos e menos de um instrumento estratégico de governação.
JM | No actual panorama político português é possível cumprir uma mudança tão radical?
ACF | A concretização deste tipo de mudanças requer diálogo com os diferentes actores políticos, sociais e profissionais. No entanto, o aspecto mais importante reside na qualidade técnica das propostas e das alternativas apresentadas. Os representantes locais e as populações reagem muitas vezes pelo receio de perder algo garantido em troca de alguma incerteza. Nessa medida é preciso garantir a cooperação de todos os intervenientes através da demonstração do valor das transformações bem como das medidas de recomposição da oferta de cuidados. Intervir no perfil assistencial de um hospital, por si só, não fará nenhum sentido se em cima da mesa não estiverem bem evidenciadas as regras de referenciação, o reforço dos cuidados de saúde primários e continuados, a rede de transportes entre muitos outros aspectos que configuram o mosaico global da oferta de cuidados.
JM | Quando referiu “tiveram medo de atacar o SNS, bateram com a mão no peito a defendê-lo, mas foram, por omissão, provocando danos que são irreparáveis”, a que danos se referia exactamente?
ACF | Parece ter existido uma persistente dissonância entre o discurso oficial e a realidade. São múltiplos os exemplos. A restrição orçamental sustentada no controlo da despesa pública com medicamentos e na redução de salários não foi acompanhada de alterações estruturais. Os critérios nacionais de acesso à inovação terapêutica tardam em ser definidos de forma clara. O desinvestimento nos recursos humanos fez diminuir a qualidade global das equipas e a respectiva estabilidade em termos de projectos profissionais. O agravamento dos pagamentos directos, por parte dos cidadãos, fez aumentar as desigualdades no acesso. A desistência das reformas agravou o panorama nos cuidados de saúde primários e nos hospitais. Em certa medida prevaleceu uma visão minimalista do SNS que, paradoxalmente, não ajudou a resolver praticamente nenhum dos seus problemas estruturais.
JM | “O SNS não morreu, nem vai morrer”, ouve-se insistentemente. Acredita?
ACF | O SNS representa um dos pilares de sustentação da democracia fundado num poderoso quadro de valores políticos e sociais. Os portugueses convergem num sentimento de grande unanimidade sobre a importância do SNS perdurar como um eixo estruturante da protecção na saúde e do desenvolvimento humano. Nessa medida, acredito que o SNS resistirá a este ciclo de grandes dificuldades conservando o seu potencial endógeno de recuperação e de desenvolvimento.
JM | Qual o rumo que deve ser seguido?
ACF | Será possível reencontrar um caminho para o desenvolvimento do SNS num contexto global de eficiência e de equidade no acesso a cuidados de saúde de qualidade. É fundamental gerar consensos em torno de uma estratégia que encontre na qualidade dos cuidados e na transparência dos processos os ingredientes fundamentais para a sustentabilidade duradoura a médio e longo prazo. Para tal será importante reconhecer nos profissionais um importante papel enquanto aliados e não como adversários deste caminho. No fundo, procurar uma vasta aliança estratégica para o desenvolvimento do SNS e para a melhoria global da saúde com todos os que são parte interessada no seu sucesso.
JM | Nos últimos dias o caos nas urgências e as demissões que o acompanham têm sido um dos principais “ganha-pão” dos jornalistas. Como avalia a situação?
ACF | Trata-se de um sinal muito negativo da fragilidade das instituições que integram o SNS. Por vezes parece transformar-se na única forma de forçar cedências perante necessidades críticas. Revela igualmente uma diminuição da capacidade de gestão dos órgãos de administração e de problemas ao nível da monitorização do funcionamento do sistema por parte das administrações regionais e central da saúde.
JM | No último balanço social do SNS, de 2013, constata-se que 78% dos recursos humanos estão nos hospitais contra apenas 22% nos CSP. Faz sentido?
ACF | Este é verdadeiramente o “calcanhar de Aquiles” do sistema de saúde português. Uma excessiva concentração de recursos nos hospitais agravada pela deficiente articulação interinstitucional e incipiente partilha de recursos. A reorientação do sistema de saúde português passa pelo reforço dos cuidados de proximidade e pelo investimento em estruturas e recursos humanos que possam transferir a centralidade do sistema para fora do hospital. Neste sentido é fundamental resolver as “hesitações” políticas quanto aos modelos de organização dos CSP tornando estes fortemente atractivos do ponto de vista profissional e reforçando a qualidade da percepção dos cidadãos face à respectiva importância no contexto do sistema de saúde.
JM | É possível e desejável alterar – em tempo útil – este cenário?
ACF | Parece possível que assim seja. Aliás não haverá trajectória credível de sustentabilidade para o SNS que não passe pelo reforço deste pilar de cuidados e pela simultânea requalificação e racionalização da rede hospitalar através de um processo de reordenamento e de concentração de competências.
JM | Há défice de cuidados hospitalares porque há falta de recursos e profissionais ou por má organização? Ou por tudo junto?
ACF | Tem sido recorrente o argumento da falta de profissionais, nomeadamente, médicos. Creio que estamos perante uma apreciação deturpada da realidade do sistema de saúde. Em abstracto, na comparação internacional, Portugal tem um ratio de médicos por 100.000 habitantes que se encontra acima da média dos países da OCDE. Tal não significa que nalgumas especialidades, por razões específicas de demografia médica, não possam ser identificadas algumas dificuldades. Outra coisa é ignorar o impacto da desorganização dos cuidados e dos modelos de gestão de recursos no desempenho global do sistema. Nessa matéria temos muitas deficiências que acabam por gerar ineficiência na resposta dando a percepção pública errada da falta de recursos. A falta de clareza na abordagem das dificuldades gera confusão e não é útil no desenho das soluções. Tal como como não se deve confundir ineficiência e desperdício com subfinanciamento, também me parece errado confundir falta de recursos com desorganização e ausência de planeamento estratégico.
JM | A sigla EBITDA entrou no vocabulário indígena. Tendo em conta o modelo de financiamento (com todas as suas vicissitudes, desde logo a do subfinanciamento crónico)… É “sigla que se tenha” no SNS que temos?
ACF | Ninguém põe em dúvida a necessidade de equilíbrio orçamental e do consequente rigor na gestão. Num país com recursos escassos os deveres de transparência e de qualidade na gestão tornam-se ainda mais pertinentes. Outra coisa bem diferente é aplicar metodologias de controlo de gestão e de avaliação de desempenho, de natureza empresarial, a instituições a quem foram retiradas a grande maioria dos instrumentos de gestão e de autonomia. Trata-se de mais um dos paradoxos de difícil compreensão.
JM | A meio da ponte também ficou a reforma dos CSP. Temos metade do país em USF e a outra em unidades sem um modelo homogéneo, genericamente designadas de UCSP. Das candidaturas entradas em 2014 só uma avançou… Como “lê” esta realidade?
ACF | Parece um sinal claro da falta de vontade em considerar os CSP um instrumento estratégico de transformação do sistema de saúde. A estagnação verificada aliada à vontade de desconstruir o modelo ensaiado na reforma iniciada em 2007 explicam a realidade actual a nível nacional. Sem vontade política não será possível avançar para um quadro de homogeneização estrutural e funcional capaz de assegurar em todo o território uma equivalente garantia nas condições de acesso aos CSP.
JM | Que funções e em que contexto se podem "descentralizar" serviços de saúde… Entregando-os às autarquias locais?
ACF | Não está claro se estamos perante uma transferência ou uma delegação de competências. Aparentemente não terá havido consenso bastante entre a administração central e a administração local. Tenho muitas reservas quanto à transferência de competências em matéria de política de saúde global. Tal não diminui, contudo, a utilidade de se estabelecerem parcerias locais em áreas tão distintas como a promoção e a educação para a saúde, os cuidados de proximidade e o apoio directo às populações, a mobilidade dos doentes, a continuidade de cuidados e ainda a síntese entre as intervenções específicas em saúde e a acção social e comunitária.
Médico, gestor… Ministeriável
Na última década tem surgido invariavelmente na lista de ministeriáveis, sempre que na Av. João Crisóstomo há mudança de inquilino. Independentemente da cor dominante no novo ciclo político… Médico especialista em Saúde Pública, gestor hospitalar e docente universitário, Adalberto Campos Fernandes preside actualmente à Comissão Executiva do SAMS Prestação Integrada de Cuidados de Saúde. Foi presidente do Conselho de Administração da HPP Parcerias Saúde, SA, Hospital de Cascais; cargo que também desempenhou no Hospital de Santa Maria e no Hospital Pulido Valente, unidades que integram o Centro Hospitalar Lisboa Norte. Professor Auxiliar Convidado da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa nas áreas de Administração Hospitalar, Gestão em Saúde e Políticas de Saúde, é membro da Direcção do Colégio da Competência de Gestão dos Serviços de Saúde da Ordem dos Médicos. Integra ainda a direcção do INODES - Associação de Inovação e Desenvolvimento em Saúde.
A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.