Se não os tivéssemos seria bem pior! O reforço do Programa Operacional da Saúde com 800 milhões de euros pode ser entendido como sinal político de valorização do setor da saúde. Será uma viragem na política restritiva? O Serviço Nacional de Saúde (SNS) de 40 anos precisa de cuidados intensivos! Há novos enquadramentos, novas responsabilidades, novas ideias e novas soluções. É urgente pensarmos na nova década com rigor e disponibilidade sincera. Se não os tivéssemos seria bem pior! O sinal de recuperação do SNS pode ser entendido como positivo. Mas 800 milhões é ainda muito pouco para compensar tudo o que se perdeu nos últimos anos. Desde 2015 tem havido um aumento médio anual da despesa na ordem dos 4%. Com o aumento orçamental agora anunciado para a saúde em 2020, a variação em relação a 2019 será superior a 6%. É preciso recuar até 2004 para encontrar um aumento desta dimensão na despesa do SNS (em 2004 houve um aumento de 821 milhões de euros em relação a 2003, representando uma variação de 8,9%). Mas sem dúvida que o reforço anunciado é importante e estratégico e uma variação maior que a dos últimos anos. No entanto, há três efeitos a recuperar. Primeiro: nos quatro anos da troika (2011 a 2014) diminuímos mais de dois mil milhões na despesa do Serviço Nacional de Saúde. Neste curto período de apenas quatro anos passamos a despesa de 12.326 mil milhões em 2010 para 10.319 mil milhões em 2014. Segundo: durante os últimos dez ou mais anos temos visto degradar os serviços por restrições de toda a ordem, por congelamentos de carreiras profissionais e por falta de reposição e manutenção básica das estruturas dos serviços de saúde, com perdas sucessivas em todos os sectores. Terceiro: durante os últimos dez ou mais anos deixamos de investir em inovação e desenvolvimento em muitas áreas estratégicas e a regressão foi inevitável e evidente. Depois da recuperação iniciada em 2015, a despesa do SNS em 2018 (12.192 mil milhões de euros) foi semelhante à despesa de 2010 (12.326 mil milhões de euros). O que é que se podia fazer em 2018 com o mesmo dinheiro de 2010?! O SNS está exaurido, não tenhamos dúvida… Apenas a robustez do SNS e o sentido ético e valores humanistas dos seus profissionais permitiram resistir e, apesar de tudo, termos bons indicadores de saúde e mantermos elevados padrões de qualidade, quer na função assistencial, quer na responsabilidade formativa dos profissionais de saúde. Nos centros de saúde foram realizadas mais de 31 milhões de consultas médicas em 2018. Os rastreios do cancro da mama e do colo do útero atingiram em 2018 taxas de cobertura geográfica de 84,4% e 98,4%, respetivamente. No VIH/sida temos 91,7% das pessoas com VIH diagnosticadas e 90,3% das pessoas em tratamento apresentam supressão vírica. Em 2018 houve um aumento das consultas externas hospitalares (mais 0,9% em relação a 2017) e do número de doentes operados (mais 1% do que em 2017), atingindo ambas as respostas o volume anual mais elevado de sempre. Os pedidos de primeira consulta hospitalar solicitadas pelos médicos de família através do sistema Consulta a Tempo e Horas (CTH) foram 1.775.618, representando um aumento de 0,1% e foram realizadas 1.310.165 consultas, um aumento de 0,4% em relação a 2017. Estes números representam o volume mais elevado de sempre de pedidos de primeira consulta hospitalar realizados no âmbito do CTH, assim como o valor mais elevado de sempre de consultas realizadas. Cerca de 71% das consultas realizadas ocorreram dentro do tempo recomendado para o nível de prioridade atribuído ao pedido (valor semelhante ao de 2016 e ao de 2017). Com mais exigências e necessidades sociais e menos verbas, com mais desconsideração e alheamento político, ainda assim, temos sabido superar e resistir aos ataques contra o nosso SNS, com enorme compreensão dos nossos doentes. Temos mantido o alheamento do planeamento necessário e delapidamos recursos essenciais e indispensáveis por falta de lideranças fortes. A opção política obrigatória é dar valor ao principal património que temos no SNS – os recursos humanos – para além do legado que é a sua cultura organizacional. A recuperação e revitalização da carreira médica deve ser entendida como fundamental neste plano de recuperação. É necessário planear e governar melhor de modo a disponibilizarmos os melhores e mais efetivos cuidados de saúde. Com o reforço orçamental agora anunciado podemos ser levados a pensar que se deseja inverter a política de suborçamentação do SNS e “reforçar e motivar os seus profissionais, para modernizar os equipamentos, para robustecer a gestão com mais autonomia e para ter um Serviço Nacional de Saúde que sirva melhor os portugueses”. Com mais verba e mais rigor saberemos fazer mais e melhor para continuarmos a ter resultados em saúde dignos.