O sono dos lactentes gera em mim uma estranha sensação de reverência mesclada de curiosidade...
"Mas o melhor do mundo são as crianças (...)"
Fernando Pessoa
O sono dos lactentes gera em mim uma estranha sensação de reverência mesclada de curiosidade. Dá-me a impressão de que levam muito a sério o desempenho dessa função. Olhos cerrados, donde desponta uma ténue fiada de pestaninhas e lábios firmemente unidos dão-lhes um semblante de responsável comprometimento com a nobre tarefa de dormir. Uma inopinada fusão de serenidade e empenho.
Aproveitem bem, que a guerra aberta ao repouso em breve virá perturbar tão simpática e salubre atividade.
Já desperto, o lactente, quando munido de chupeta, desperta-me uma pontada de inquietação e caso cruze comigo o olhar, velada a boca e, com ela, parte da comunicação não-verbal, sinto-me em posição de discreta desvantagem. A menos que um amplo sorriso extravase os limites da chupeta e vinque o sulco naso-geniano, ou enrugue as regiões peri-orbitárias, há uma certa assimetria na comunicação que deixa o adulto (de cara e íntimo descobertos) em ligeira mas sensível desigualdade.
Assomei à porta do consultório e deparei-me com a pequenita que caminhava corredor afora. Entre os 15 e 20 meses, calculei. Do ralo cabelito, pendia um daqueles ganchinhos inúteis que são fruto duma ironia terna. Baixei-me até que os nossos olhares se nivelassem.
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