[caption id="attachment_11851" align="alignnone" width="300"] Rui Cernadas - Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.[/caption]
Sabe-se como a construção do SNS em Portugal se inspirou e embebeu no figurino inglês do NHS. É conhecido algum paralelismo e, lá e cá, reclamam-se algumas originalidades que, de facto, podem fazer grandes diferenças.
A verdade é que qualquer sistema, incluindo os públicos, carece de monitorização e de avaliação no tempo.
No NHS, por exemplo, discute-se hoje, mais do que o papel, a extensão da intervenção dos farmacêuticos, enquanto recursos qualificados e de proximidade, nos processos assistenciais em cuidados de saúde primários.
E a palavra essencial nessa ideia em desenvolvimento é confiança: confiança dos utentes na figura do farmacêutico, na sua acessibilidade e na identificação do discurso.
O plano, em síntese, é claro e radica no entendimento de que as farmácias, para além da vertente da comercialização, podem e devem ser autênticas unidades de saúde dispersas e com uma rede de cobertura nacional do território.
Ou seja, o trabalho aponta para a procura e definição de novos modelos para a farmácia e, se quiserem, de futuros modelos de dispensa de cuidados.
Partindo do princípio aceite de que a farmácia comunitária vai alterar o seu cenário de actuação – do medicamento para o doente e para os resultados em saúde – que a componente da sua intervenção implicaria… Vamos, portanto, e num prazo muito breve passar a ouvir falar da prestação da consulta farmacêutica.
Habituemo-nos.
Entretanto se é verdade que o paradigma da procura de cuidados se alterou, agora com uma crescente tendência do aumento das doenças crónicas e respectivas exacerbações ou complicações, em detrimento das situações agudas, é igualmente verdade que o envelhecimento populacional que se regista por toda a Europa Ocidental se associa a uma maior pressão sobre as necessidades e a despesa.
Porém diferentes doentes apresentam diferentes necessidades de saúde. E diferentes necessidades geram ou obrigam a diferentes carteiras de serviços.
Se os CSP não assimilarem este movimento, haverá maior espaço para a inovação fora deles e nas farmácias, nomeadamente.
Uma hipótese, por exemplo, seria a de se desenvolverem projectos de aplicação de protocolos específicos e de monitorização de parâmetros e/ou problema de saúde com estadiamento prévio dos utentes e acompanhamento farmacoterapêutico complementar pelas farmácias comunitárias.
Sempre numa intenção e perspectiva multidisciplinar e dinâmica, na qual efectivamente o doente seja mesmo o foco de atenção.
Os sistemas criam, normalmente, espaços não ocupados. No relacionamento longitudinal com as famílias e os utentes, há que suportar e transferir informação apropriada, em continuidade e integração de cuidados e, obviamente, respostas pontuais adequadas à gestão dos seus perfis, enquanto utentes e doentes. Respostas a questões como a adesão e o aconselhamento, a utilização dos cada vez mais variados “devices”, os efeitos adversos e as interacções medicamentosas, a polimedicação, os riscos da auto-medicação, os abandonos terapêuticos ou até a vigilância de parâmetros vitais ou biológicos, são caminhos que provavelmente se irão trilhar.
O acesso dos doentes à informação educativa e aos sistemas de informação em geral – plataforma dos dados em saúde (PDS) incluída – vai criar novas procuras e exigências.
Os médicos e os médicos de família em particular vão sofrer duramente essa pressão num contexto de oferta algo burocratizada, de índole nacional e universal, com constrangimentos relativos aos contratos programa, aos tempos de consulta e à organização de serviços.
As coisas mudaram depressa e mudam mesmo que achemos que não.
Sobretudo desde que a saúde passou a ser assumida como um bem de consumo, com enquadramentos idênticos aos de outras actividades, com livros de reclamações, com entidades reguladoras, agendas electrónicas e outras modernices que, afinal, não deram ainda pelo dever de contar com a individualidade de cada doente, com a compreensão de que cada doente não é apenas a sua doença!
Os farmacêuticos e as farmácias comunitárias, como os enfermeiros aliás já o são, poderão ser agentes relevantes na resposta global aos doentes dos serviços públicos e do SNS.
Vai ser inevitavelmente uma questão de tempo… Pouco!
A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.