Desculpem, mas eu li! Reforma: sonho ou pesadelo?
DATA
14/02/2018 12:24:36
AUTOR
Rui Cernadas - Médico de família
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Desculpem, mas eu li! Reforma: sonho ou pesadelo?

A repetida e ansiada medida de alteração no regime de acesso à reforma, em função da idade e da extensão da carreira contributiva, em particular no que possa relacionar-se com as penalizações consequentes à luz do modelo anterior, tornou-se durante os dois últimos anos, um sonho ou um pesadelo de muitos milhares de portugueses.

 

 

E de portuguesas, diriam alguns políticos.

De resto, o epíteto de reformado virou mais do que moda, um anseio legítimo e talvez nem sempre bem compreendido que, mais do que refletir o fim de uma fase de vida, traduz um desejo de abandonar percursos profissionais ou de atividades nem sempre compensadoras ou ainda motivadoras.

A esperança média de vida alongou-se consideravelmente e, pese embora o impacto na possibilidade de entrada dos mais jovens no mundo laboral, o equilíbrio financeiro da Segurança Social e dos estados-providência tornou-se um exercício muito difícil.

Por outro lado, o envelhecimento demográfico do nosso país e da Europa comunitária, não ajudou a soluções fáceis e indolores.

De uma forma ou de outra, Portugal precisa de, face às mudanças em curso e/ou às expectativas de alteração real das passagens à reforma, preparar os seus cidadãos para uma transição pretendida certamente, mas não preparada garantidamente. O choque do acontecimento-reforma na vida das pessoas está mal estudado, quer sob um ponto de vista clínico e psicológico, quer sob a perspetiva social e familiar.

As consequências ao nível da gestão dos horários e dos tempos livres, a alteração dos papéis desempenhados por décadas, a perda de relacionamentos múltiplos e o encurtamento do espaço próprio, podem induzir perdas e ganhos, cujo balanço geral nunca é avaliado antes… E raramente, diria, a preparação para o evento é organizada, enquadrada ou projectada.

Faltam ofertas estruturadas, quer públicas, quer privadas, que desenvolvam a análise prévia e de algum modo, orientem ou aconselhem, as tomadas de decisão ou as opções que no limite promoveriam uma melhor saúde mental e acautelariam muitos dos sintomas e da procura de cuidados encapotados. No fundo, não existem planos de reforma a sério, para além dos produtos financeiros bancários ou das seguradoras igualmente chamados de “PPR”!

Conhecem-se relatos e publicações sobre desajustamentos e faltas de adaptação ao simples facto da organização do tempo deixar de se centrar no capítulo do trabalho contratado e das deslocações e necessidades inerentes. Acrescerá ainda, consoante os casos, o ganho ou a perda de satisfação no exercício profissional e na convivência no meio ambiente respetivo.

Isto é, ou a débito ou a crédito, há “contas” para fazer.

Estou certo que, numa primeira linha de proximidade natural, os cuidados de saúde primários precisam de perceber esta questão e de se envolver numa compreensão do fenómeno e na sua prevenção, sob pena de terem aí um outro forte motivo de procura e consumo de cuidados de saúde.

Os ganhos em saúde começam na capacidade de antecipar e de prever, construindo respostas ou, no mínimo, elevando os níveis de vigília para uma deteção precoce dos problemas individuais e da sociedade em que vivem e participam!

O (Des)alento da Medicina Geral e Familiar no Serviço Nacional de Saúde
Editorial | Joana Torres
O (Des)alento da Medicina Geral e Familiar no Serviço Nacional de Saúde

A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.