Desculpem, mas eu li! Doenças crónicas e uma oportunidade perdida
DATA
22/02/2018 16:43:09
AUTOR
Rui Cernadas - Médico de família
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Desculpem, mas eu li! Doenças crónicas e uma oportunidade perdida

O envelhecimento das sociedades e a crescente tendência de aumento da esperança média de vida acentuam as pressões sobre os sistemas de saúde e as respetivas finanças públicas.

 

 

As ditas doenças crónicas não transmissíveis tornaram-se prioritárias em saúde, constituindo várias delas autênticos problemas de saúde pública face até à prevalência registada, mas também devido aos seus impactos na morbimortalidade e na gestão da procura de cuidados médicos e aos custos decorrentes de assistência clínica.

A carga global (“global burden”) dessas doenças vai recaindo principalmente sobre os países de mais baixos rendimentos. Parece claro que uma boa parte desses encargos fica associado aos custos diretos de internamento hospitalar, seja com as exacerbações, seja com as complicações consequentes e, também obviamente, com a “fatura” das comorbilidades.

Para os Estados – os seus governos – é preciso passar a informação de que uma boa fatia da questão global poderia ser prevenida por medidas pedagógicas, culturais, comunicacionais, legislativas e organizativas, promotoras de benefícios transversais a uma multiplicidade de problemas de saúde e, diria, até civilizacionais. Mesmo tendo em linha de conta o componente genético em muitas delas…

O exemplo mais imediato seria o da prática de exercício físico regular, com evidência vasta para efeitos favoráveis na obesidade, na diabetes, na doença coronária, em vários tipos de carcinoma, em patologia intestinal inflamatória, etc.

A sociedade deveria entender que, para que se atinjam ganhos em saúde, o projeto de saúde individual deverá responsabilizar o cidadão, não podendo ser desagregado dos recursos, das ofertas e das estratégias que os Estados promovem.

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) estima-se que, em 2020, 80% do peso da globalidade das doenças (“burden of disease”) nos países em vias de desenvolvimento esteja relacionado com problemas de saúde crónicos. Ainda para a OMS, o reforço dos cuidados de saúde primários é “a prioridade no desenvolvimento da estratégia da saúde para todos e na sustentabilidade de sistemas de saúde com base na universalidade e equidade”.

A diabetes constitui em Portugal o grande problema de saúde. Com uma prevalência exponencial, com um nível de investimento na prevenção das complicações imparável e com a necessidade de melhorar o nível de tratamento, a dimensão dos custos assusta. A bibliografia médica é inequívoca: a diabetes é a patologia crónica que maior crescimento de despesa gera nos sistemas de saúde!

Nos Estados Unidos da América (EUA), os custos associados aos medicamentos e dispositivos médicos na diabetes aumentaram 321% entre 1978 e 2011.

Em 2016, no âmbito da investigação clínica para a diabetes, estavam em fases distintas de desenvolvimento mais de 170 novas moléculas, o que faz pressupor que, a breve prazo, a inovação acarretará novo impacto na despesa global com esta doença.

O custo a nível planetário representará já mais de 1,8% do PIB mundial (dados de 2015).

Da carga global de despesa, dois terços estão ligados a custos médicos diretos e um terço a custos indiretos, incluindo a quebra da produtividade.

Tanto assim é que, o próprio Banco Mundial já recomenda especificamente a necessidade de estratégias de intervenção e de gestão de recursos no processo assistencial das populações diabéticas! 

O património histórico, social, estrutural, técnico, científico e de proximidade que a rede do Serviço Nacional de Saúde (SNS) em Portugal representa é uma mais-valia. Contudo, tarda a melhorar, aperfeiçoando quer a segurança e confiança dos cidadãos utilizadores, como elevando o patamar de qualidade e eficiência dos cuidados dispensados.

A chamada Reforma dos Cuidados Primários estagnou, perdeu gás e perdeu energia. Logo quando ao leme teve os mentores que sempre se reclamaram de seus defensores.

Uma pena. Uma oportunidade perdida para o SNS.

O (Des)alento da Medicina Geral e Familiar no Serviço Nacional de Saúde
Editorial | Joana Torres
O (Des)alento da Medicina Geral e Familiar no Serviço Nacional de Saúde

A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.