As doenças vasculares, no seu conjunto – cérebro e cardiovascular – são, em Portugal e no mundo, um problema de saúde pública e com fortíssimas repercussões financeiras. E também já estão longe de ser um exclusivo dos países mais ricos ou desenvolvidos, conforme o demonstram as estatísticas de mortalidade.
A Organização das Nações Unidas (ONU) e o conjunto das principais sociedades científicas, atentas e preocupadas, definiram na agenda internacional, como meta, a redução da mortalidade cardiovascular e dos fatores de risco a ela associados em 25% até 2025. Já antes, em 2013, a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançava alertas e documentos no mesmo sentido.
Em Portugal, o panorama não é diferente e é a causa principal de morte, mantendo uma tendência em torno dos 300 óbitos por 100 mil habitantes. Registaram-se claros avanços na redução da mortalidade por acidente vascular cerebral (AVC) e por doença isquémica
cardíaca, mas isso não pode significar qualquer menor atenção a esta questão. Mas, o envelhecimento da população nacional acarreta uma complexidade de fatores que não podem ser ignorados, quer na vertente demográfica pura e dura, quer na vertente socioeconómica e, enfim, nas respostas assistenciais que o país e o Serviço Nacional de Saúde (SNS) necessitam de preparar e gerir.
A insuficiência cardíaca (IC), por exemplo, é uma “epidemia” à vista nas duas próximas décadas. Convinha que nos preparássemos já, definindo uma estratégia global para a síndrome, contemplando a informação para os doentes e familiares, a formação e atualização (designadamente para o diagnóstico precoce e identificação dos casos) dos profissionais de saúde – em especial nos cuidados de saúde primários (CSP) –, a reorganização dos cuidados hospitalares evitando a admissão repetida através dos serviços de urgência e organizando unidades específicas tipo clínicas de IC… Mas o nosso ponto de vista tem outro foco.
Sabendo-se que a hipertensão arterial (HTA) pode representar mais do que 13% das mortes prematuras ou que é responsável por metade dos enfartes agudos do miocárdio e dos acidentes cerebrovasculares, e ponderando as taxas de prevalência na população em geral – e em especial em Portugal – valeria a pena apostar na prevenção através dos CSP. E a doença hipertensiva é igualmente responsável por qualquer coisa como 100 milhões de dias de vida perdidos, traduzindo um pouco mais de 6% do total mundial.
Clinicamente, para além da HTA, a questão das dislipidemias e da razão ApoA/B, a relação dos perímetros anca/cintura, os fatores dietéticos, o tabagismo e o stress psicológico, têm um peso esmagador na etiopatogenia da doença isquémica e na doença, em geral, considerando ainda as patologias associadas.
Há dados publicados que confirmam que, a estes fatores, se acrescentarmos ainda a diabetes, o alcoolismo e o sedentarismo/obesidade, encontraremos justificação para mais de 90% dos casos de mortalidade prematura em análise.
Afinal números impressionantes que implicariam natural e rapidamente um investimento e reorganização da prevenção primária e redefinição do modelo assistencial da primeira linha do SNS.
Provavelmente e para a opinião pública, sempre fácil de manipular sobretudo em tempo de grandes artistas no género, não granjearia tanto votos como falar de transparências e acessos e mais acessos a sites e plataformas que tudo mostram e nada valem em termos de utilidade, resolução de problemas ou orientação médica dos doentes!
Mas não, não tem havido essa intenção política e estrategicamente de interesse público.
O que é pior é que se sente que nem será por falta de vontade, mas apenas de capacidade real, porque também não foi colmatada a falta de médicos de família para algumas centenas de milhares de cidadãos, apesar das centenas de jovens especialistas formados em 2016, 2017 e agora para 2018, nem foram impulsionadas as aberturas de novas unidades de saúde familiar (USF) em número que não fosse ridículo e trágico, nem
promovidas a modelo B as USF que há muito atingiram tal desiderato ou desenvolvidas de forma consistente a programação e trabalho das unidades de cuidados à comunidade ou as unidades de recursos assistenciais partilhados!
A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.