Recentemente foi publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a 11.ª revisão da Classificação Internacional de Doenças, na qual consta, pela primeira vez, o burnout. Este resulta de uma reação disfuncional ao stress profissional prolongado e é uma síndrome caracterizada por três dimensões: exaustão emocional, despersonalização ou sentimentos de negativismo/cinismo relativos ao trabalho e diminuição da eficácia profissional.
Em Portugal, o Estudo Nacional do Burnout na Classe Médica realizado em 2016 revelou que 66% dos médicos da amostra apresentavam um nível elevado de exaustão emocional, 39% um nível elevado de despersonalização e 30% um elevado nível de diminuição da realização profissional. Estes dados são preocupantes, dado que as consequências do burnout são inúmeras e não exclusivas do profissional de saúde, tendo um efeito deletério nos custos em saúde, qualidade do atendimento, satisfação e segurança do utente. Quanto ao profissional de saúde, o burnout origina insatisfação no trabalho e produtividade reduzida, assim como, aumento da incidência de abuso do álcool, perturbações depressivas e ideação suicida.
O burnout pode ocorrer em qualquer fase da carreira médica, mas o Internato de Formação Específica é um período com algumas particularidades, visto ser uma etapa de construção da identidade profissional e da “procura do médico perfeito”. Infelizmente na atual cultura de estoicismo, existe o mito de que a dor e o sofrimento do interno podem ser tolerados em prol da arte da medicina, havendo subvalorização do problema e da necessidade de cuidados de saúde mental, pelo que a sua deteção precoce e tratamento são difíceis.
Será que a formação em Medicina é incompatível com um estado pleno de saúde mental?
Enquanto Internas de Medicina Geral e Familiar (MGF), especialidade que se foca na prevenção, consideramos que o Internato Médico é uma janela de oportunidade para intervir no burnout. É urgente agir, mas apesar de vários estudos mostrarem resultados promissores, a evidência referente à abordagem do burnout nos médicos internos é inconsistente.
Uma estratégia frequentemente associada à diminuição da exaustão emocional e dos níveis globais de burnout é a redução das horas de trabalho, porém, pode não ter desfechos favoráveis sem intervenções coadjuvantes.
A nível pessoal, consideramos pertinente estabelecer um equilíbrio saudável entre a vida pessoal e o trabalho, com dedicação aos relacionamentos. Por outro lado, a aprendizagem de estratégias de coping e desenvolvimento da resiliência são tão fundamentais quanto assegurar um sono adequado.
Ao nível da organização do Internato é importante a valorização e o reconhecimento do trabalho, com supervisão e apoio adequados, de modo a promover um clima de aprendizagem e abertura à organização de atividades sociais. Em última instância, consideramos que incluir a perspetiva dos internos pode ajudar a estabelecer intervenções exequíveis para minimizar o burnout, de modo a não serem consideradas um fardo adicional.
Todas estas sugestões a nível pessoal, profissional e organizacional carecem de investigação, de modo a que seja possível estudar o seu potencial sinergismo, esclarecer quais as melhores abordagens e conseguir aplicá-las nas diversas especialidades médicas. Mas, será que a evidência nos vai mostrar mais do que a nossa observação empírica? São necessárias menos horas de trabalho suplementar, mais horas de sono, estilos de vida verdadeiramente saudáveis e uma cultura de companheirismo e interajuda, oposta à de competitividade e do excesso de trabalho, à custa da nossa saúde.
Conhecidos os factos, reflitamos: “Dado que a prática da Medicina é fundamentalmente uma arte de curar, será ético ignorar o sofrimento dos nossos?” – Beker e Sun.
Numa era em que a busca pelo erro médico é uma verdadeira caça ao tesouro, é tempo de nos fortalecermos para continuarmos a fazer aquilo para que nos formamos: cuidar os nossos utentes.
Bibliografia: