Leia o artigo de opinião da autoria de Luís Duarte Costa, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) sobre as mais recentes decisões do Ministério da Saúde em colocar especialistas indiferenciados a gerir listas de utentes.
A base do sistema nacional de saúde são as duas principais especialidades generalistas: Medicina Geral e Familiar no ambulatório e a Medicina Interna nos hospitais. Contudo, ao contrário do que seria de esperar, é contra estas duas especialidades que o Ministério da Saúde, com o silêncio ou conivência da Ordem dos Médicos, pretende tomar duas medidas contra-natura: colocar tarefeiros, sem especialidade, a gerir listas de utentes sem médico de família e criar a especialidade de urgência para responder á falta de médicos nas urgências.
Num jogo de batalha-naval seriam 2 tiros na água e ficar sem munições!
O que todos precisamos é de facilitar o trabalho aos Médicos de Família (MF) e aos Internistas para que possam fazer aquilo para que se preparam em 11-12 anos de formação! E, nessa altura, exigir-lhes maior produtividade com salários condignos a quem salva vidas e trata da nossa saúde!
Invistam em sistemas informáticos que trabalhem em rede e facilitem o trabalho dos profissionais de saúde.
Contratem mais assistentes técnicos para atender telefones, contactar doentes e otimizar a agenda médica e de enfermagem.
Contratem mais assistentes operacionais para acompanhar os doentes e familiares e resolver as questões mais simples de quem circula no complexo sistema de saúde.
Contratem mais enfermeiros e deem-lhes mais autonomia para que sejam o primeiro contacto do doente com o sistema de saúde, retirando-lhes tarefas que podem ser executadas por auxiliares e assistentes e dando-lhes outras, anteriormente feitas por médicos, como a gestão dos fármacos prescritos pelos médicos.
Aos MF exijam que orientem todas as situações agudas pouco graves dos seus doentes que conhecem e acompanham por toda a vida e, aos Internistas, que orientem todos os doentes não cirúrgicos do internamento e emergência hospitalar.
Foi nesse sentido que a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar e a Sociedade Portuguesa de Medicina Interna assinaram, em 2019, um consenso, na presença do Secretário de Estado da Saúde, sobre o seguimento do doente agudo e do doente crónico.
Colocar médicos em tarefa, nos Centros de Saúde, a fazer um trabalho para uma vida é um absurdo e é um absurdo criar uma especialidade para os doentes da urgência que deviam estar nos Centros de Saúde.
Sou do tempo em que, na Zona Centro, não se conhecia a grelha de avaliação curricular, do exame final da especialidade. Cada Interno fazia o melhor que sabia e podia, com os conselhos dos seus orientadores e de internos de anos anteriores. Tive a sorte de ter uma orientadora muito dinâmica e que me deu espaço para desenvolver projectos e actividades que me mantiveram motivada, mas o verdadeiro foco sempre foi o de aprender a comunicar o melhor possível com as pessoas que nos procuram e a abordar correctamente os seus problemas. Se me perguntarem se gostaria de ter sabido melhor o que se esperava que fizesse durante os meus três anos de especialidade, responderei afirmativamente, contudo acho que temos vindo a caminhar para o outro extremo.