Ao entrar num novo ano, leia a crónica da ediçaõ 137 do Jornal Médico, com a habitual colaboração de Rui Cernadas, especialista em Medicina Geral e Familiar (MGF), num balanço acerca do SNS.
Não é surpreendente para ninguém que o período natalício acabe por corresponder aos efeitos da quadra, inspirada por sentimentos de bondade e de solidariedade.
Talvez, por isso mesmo nos choque mais, o que em todas as outras alturas do calendário nos parece habitual, infeliz mas frequente, tocando-nos tangencialmente e sem grande mossa.
O sofrimento e a dor fazem parte da vida mas isso não basta para uma correspondente normalização…
O Serviço Nacional de Saúde continua num estranho bailado.
O Sistema Nacional de Saúde é cada vez mais uma miragem.
Os Portugueses bem podem pedir ao Pai Natal um SNS de corpo inteiro.
Um SNS para o todo nacional ou então não fará sentido não discutir mesmo a Regionalização…
Um SNS que possa assegurar a correcção do desequilíbrio na oferta assistencial e pôr termo às assimetrias existentes, quer nos meios tecnológicos, quer nos recursos humanos, designadamente na distribuição dos médicos especialistas.
Uma estratégia que acautele e antecipe o ritmo das aposentações.
E são necessárias explicações realistas, verdadeiras e que provem que quem dirige as instituições do SNS sabe o que faz.
Os cidadãos não conseguem entender porque razão os serviços hospitalares funcionam durante a maior parte do ano e os quadros clínicos são suficientes ou no mínimo capazes de cobrir os horários e, em períodos determinados tudo fecha e concelhos e mais concelhos ficam sem respostas e sem soluções de proximidade.
Não será preferível falar-se em falta de capacidade de gestão e de competência em matéria organizativa, em particular na questão dos horários e dos mapas de férias?
Ou nos erros com anos de persistência e teimosia saloia da A.C.S.S. a insistir na contratação de empresas e prestadores de serviços que, independentemente do seu eventual profissionalismo, não integram nem podem vestir a “camisola” das instituições às quais prestam trabalho. Com contas a derraparem ano após ano e a mostrar como se dilapidam dinheiros públicos perante a impassividade dos Ministérios da Saúde e das Finanças!
E não será tempo de desburocratizar e ter a coragem de resolver a situação nas urgências portuguesas?
Alguém me dizia, com sentido de propriedade e argúcia, que o problema das urgências parece semelhante ao das prisões em Portugal.
Ambas com graves e deficitários óbices em instalações, desadequadas aos “propósitos da treta”, a acessibilidade e a proximidade.
Ambas com falta de profissionais, sejam eles guardas prisionais ou profissionais de saúde e de médicos em especial.
Ambas com excessos de freguesia, sejam os reclusos e condenados a sentenças judiciais, sejam os doentes que procuram urgências embelezados em pulseiras coloridas, cuja prioridade de atendimento é inversa à semaforização de trânsito.
Ainda que aqui, no caso das urgências, o escoamento seja lento, muito lento, quase parado ao ponto de parar mesmo – exemplos não faltam em especialidades e hospitais variados.
Os Cuidados Primários, parentes pobres do SNS, abandonados à sua sorte e com a Reforma a ir água abaixo com estas fortes chuvadas pós-seca, embrulhados entre o famoso coronavírus e as contratualizações apressadas e atrasadas, respondem agora à espécie de requisição civil de prolongamento de horários.
Será que a gente dos Cuidados Primários ainda acredita no Pai Natal?
Neste momento os CSP encontram-se sobrecarregados de processos burocráticos inúteis, duplicados, desnecessários, que comprometem a relação médico-doente e que retiram tempo para a atividade assistencial.