Leia a crónica de Lúcio Meneses de Almeida, médico Assistente Graduado de Saúde Pública, que nos dá a sua reflexão sobre o estado da Nação, da democracia e a participação de novas gerações. Saiba mais na próxima edição do Jornal Médico.
A qualidade de um país é o reflexo da qualidade da sua juventude. E não só da decorrente da qualificação académica (instrução) mas, principalmente, da sua maturidade intelectual, cívica e moral (educação).
Recentemente, assistimos à divulgação, através das redes sociais, de uma entrevista em que uma jovem informava ter sido convidada para um cargo proeminente num gabinete ministerial.
Num ambiente de descontração pueril, foi solicitada, pela anfitriã do programa televisivo, a recordar uma entrevista a uma rádio nacional. Ocupar a ponte 25 de abril – “a própria da ponte” (sic) – tinha sido a estratégia preconizada pela jovem para resolver o problema da habitação em Portugal…
Quanto à iliteracia funcional da geração academicamente mais qualificada da nossa História, infelizmente não há muito a estranhar. O mesmo se passa quanto à ausência de decoro social.
O que é de estranhar é que, mesmo após tão inaudito apelo, foi noticiado que o ministério em questão tinha contratado a referida ativista. Face à sua alegada experiência em “inovação social”, ter-lhe-á sido atribuído o cargo de “técnica especialista”.
Em Portugal, epitetar alguém de “especialista” significa reconhecer-lhe especiais competências profissionais. Inicialmente restrita à profissão médica, a sociedade externalizou esta designação, adjetivando-a nos restantes setores económico-produtivos.
Um “especialista” é, pois, alguém especialmente qualificado e de quem se espera a resolução de problemas particularmente complexos. Além do conhecimento e experiência profissional, tem como atributo uma atitude correta perante os problemas (i.e., sensatez).
Na referida entrevista, a jovem refere estar confiante de vir a “ter um cargo político e uma figura política” (sic). Tragicamente, no contexto político-partidário prevalente, tem fundamentados motivos para tão irritante otimismo …
Perante uma classe política mal remunerada e uma opinião pública cada vez menos tolerante, os disponíveis para o exercício de cargos políticos ou correlatos são, muito frequentemente, os deserdados da sociedade civil. Isto é, aqueles sem passado profissional digno de menção; nestes incluem-se, por natureza, os mais jovens.
No Portugal republicano do século XXI, a nova geração dos condes (e condessas) d’Abranhos é catapultada pelas juventudes partidárias e vê – agora, como no século XIX - o Estado como uma queirosiana “manjedoura”.
Uma democracia forte assenta em partidos políticos fortes. E é indiscutível o papel das juventudes partidárias na defesa e na promoção dos valores democráticos.
Mas promover a democracia pressupõe a existência de mecanismos efetivos de depuração, consistentes com a tão propalada “ética republicana”. Só separando as “maçãs podres” das restantes é que é possível controlar a onda de extremismos que assola a Europa e o resto do Mundo…
São demasiados os episódios, como o descrito, ultimamente noticiados no nosso País. Louvem-se os órgãos de comunicação social pelo escrutínio democrático dos organismos oficiais, figuras públicas e titulares de cargos políticos.
Tais notícias são geradoras de uma legítima (e salutar) indignação por parte da sociedade. E, desde logo, dos mais jovens, angustiadamente em busca de um primeiro e mal remunerado emprego…
Infelizmente, essa indignação tem como efeito adverso a rejeição da participação cívico-política – nela se incluindo os atos eleitorais. E, mais gravosamente, contribui para a adesão a ideais demagógicos e antidemocráticos.
O estado da Nação tem nas instituições democráticas o seu determinante primordial. Mas a estrutura, moral e ética, de um país assenta na sua juventude. Uma juventude moralmente qualificada faz forte o regime democrático.
Do ponto de vista da organização político-partidária, a escolha dos gabinetes ministeriais e dos titulares de cargos políticos deve ser norteada por critérios da mais absoluta transparência e irrepreensível decoro.
A saúde da Democracia a isso obriga.