A prescrição de medicamentos a doentes geriátricos tem sido debatida em todo o mundo e a Covid-19 só reforçou essa questão. O aumento da susceptibilidade dos mais idosos aos fármacos, agora com a pandemia, criou condições para o aprofundamento do tema da segurança neste escalão etário. Há alguns anos atrás a introdução de indicadores de monitorização dessa prescrição nos cuidados de saúde primários (CSP) foi vista, digamos, como um atentado à liberdade de prescrição médica ou uma determinante economicista. O crescimento da proporção de idosos vai reflectir-se, quer nos planos económico e social, quer no plano clínico. As comorbilidades que a opinião pública ouviu falar como fatores de prognóstico desfavorável a respeito da Covid-19 traduzem, apenas, polimedicação. E polimedicação representa risco acrescido de efeitos adversos, designadamente de risco de queda, sonolência e prostração, perturbações da micção, da digestão ou da visão. Traduz igualmente um potencial de interações medicamentosas, seja pela via das semividas ou das metabolizações hepática e renal. E depois, no caso dos mais velhos, estejam institucionalizados ou não, e não quero nem vou entrar pela avaliação do que será melhor ou pior, o conjunto individual de prescrições pode ser excessivo, desadequado ou errado. Os meses da pandemia Covid-19 confirmam a redução muito significativa e perigosa do número de contactos presenciais nos CSP. Neste contexto, esta população está melhor defendida agora do que antes? Quero trazer até vós um artigo (1) do Professor Stephen Genuis (Universidade de Alberta, Canadá) que me impressionou pela lucidez e reflexão em torno das consequências da multimorbilidade. Evocava exemplos da história da Medicina para concluir que, somos todos, mesmo os médicos, recalcitrantes às constatações que alteram o chamado status quo. Lembrava as primeiras referências em 1940 e 50 à relação entre o tabaco e o cancro do pulmão, ou dos artigos de Marshall e Warren nos anos 80 sobre a ligação do Helicobacter pylori às úlceras pépticas gástricas. E no fundo alertava-nos para a dificuldade que temos hoje de entender, diagnosticar e resolver sintomas, queixas e sinais de doentes que, em regra percorrem inúmeros especialistas, adicionam exames e custos sucessivos, acabando quase sempre na psiquiatria. E também no cenário da multimorbilidade… Questionava e punha sobre a mesa para discussão a descoberta, a introdução, o uso e o consumo de centenas de produtos e nano partículas químicas que passamos a comer, a beber, a vestir e a respirar. Em termos domésticos, das nossas sociedades ditas de consumo e das nossas vidas profissionais igualmente… As consequências e os conhecimentos sobre esta “revolução química” e os efeitos da bioacumulação de substâncias e resíduos tóxicos que ignoramos realmente ou não sabemos avaliar ou estimar sequer, fazem de nós, de todos nós, a primeira geração a viver – e a sobreviver – sob uma nova patofisiologia de contaminantes de toda a ordem e impacto. Afinal que preço pagaremos pelo que não conhecemos? Vimos como foi com o contágio pandémico da Covid-19… Na verdade, e por um lado, a pandemia da Covid-19 vai desaparecer, entretanto. Mas, a pandemia dos contaminantes, por outro lado, vai permanecer entre nós e é uma grande incógnita. Bibliografia: (1) Can Fam Physician 2014; 60:e290-3