A Plataforma Saúde em Diálogo alertou hoje para a “contínua degradação” do Serviço Nacional de Saúde e desafiou os políticos a criarem um “estratégia de longo prazo para a saúde”.
O alerta da plataforma, uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), sem fins lucrativos, que congrega 43 associações de doentes, promotores e profissionais de saúde e de consumidores, surge na sequência de um encontro que realizou na terça-feira, em Lisboa, com representantes de partidos políticos.
No encontro, que contou com a presença deputados Carla Cruz (PCP), Carla Rodrigues (PSD), Teresa Caeiro (CDS-PP) e de Álvaro Beleza da Comissão Política do PS, a presidente da plataforma, Maria do Rosário Zincke, exprimiu “a preocupação das entidades que dão voz aos doentes para a contínua degradação que atualmente se assiste no Serviço Nacional de Saúde”, refere a Plataforma Saúde em Diálogo em comunicado hoje divulgado.
Desafiou também os deputados a criarem “uma estratégia de longo prazo para a Saúde”, que deve apostar na literacia, na prevenção e na promoção da saúde, com enfoque especial nas doenças crónicas, que representam atualmente “a maior percentagem dos encargos com a doença na Europa, sendo responsáveis por 86% de todas as mortes”.
Segundo a Plataforma Saúde em Diálogo, a deputada comunista Carla Cruz mostrou-se a favor da criação de um estatuto do doente crónico, defendeu a alocação de mais recursos financeiros e humanos à saúde e propôs a eliminação das taxas moderadoras.
Já a deputada do CDS Teresa Caeiro realçou os bons indicadores de satisfação dos utentes relativamente ao Serviço Nacional de Saúde, refere o comunicado.
A deputada do PSD Carla Rodrigues considera que mais importante do que o Estatuto do Doente Crónico é a criação de medidas concretas de apoio aos doentes.
Para Álvaro Beleza, da Comissão Política do PS, a estratégia de futuro passa por “apostar no que é público”, “gerir melhor o que é público”, melhorar a acessibilidade e promover a gestão integrada (hospitais, rede de cuidados primários e continuados), descentralizar e atribuir maior poder e responsabilidade aos utentes e às associações, adianta o comunicado.
No comunicado, a Plataforma Saúde em Diálogo sublinha que, na reunião, “ficaram claras algumas linhas de consenso” no que toca à importância do doente, à necessidade de respostas eficazes para o reconhecimento do papel do cuidador, a uma maior aposta na prevenção da doença e ao envolvimento ativo e efetivo do cidadão e das associações na criação, implementação e monitorização das políticas de saúde.
O ministro da Saúde, Paulo Macedo, assumiu hoje que os custos do Serviço Nacional de Saúde vão aumentar e que deve ser discutida a sua forma de financiamento, admitindo que poderá passar por um aumento de impostos.
Paulo Macedo, que falava aos jornalistas em Oeiras à margem da conferência "Cuidados de Saúde no Futuro", lamentou que atualmente não se discutam as formas de financiamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS), uma vez que "é claro" que os custos vão aumentar.
"Nós vamos ter um aumento com os custos da saúde, depois dizem que é preciso ser financiado, mas ninguém diz como. Ora, o financiamento, ou é feito de uma forma solidária como é hoje, genericamente, através dos impostos dos portugueses, ou é feito de outras formas, que nós recusámos, ou é feito (...) como outro tipo de financiamento, designadamente aquele que lançámos sobre uma tributação adicional sobre a indústria farmacêutica", afirmou.
Para o ministro, a discussão "é necessária" e as opções devem ser apresentadas aos portugueses, "a quem cabe escolher".
"A conversa de que os custos na saúde vão crescer, que os novos medicamentos vão custar muitíssimo mais e depois ninguém dizer aos portugueses quais são as opções para depois poderem escolher, porque é a eles que cabe discutir, isso é a má discussão ou ausência de discussão", sustentou.
Na opinião de Paulo Macedo, o SNS "deve ser financiado preferencialmente como é hoje, com os impostos dos portugueses de uma forma solidária, em que aqueles que podem mais, têm impostos progressivos, pagam mais, sabendo que há pessoas que têm acesso como deve ser ao SNS, mas que pagam zero de imposto de IRS".
Já na sua intervenção, no encerramento da conferência, o ministro deixou claro que "o Serviço Nacional de Saúde vai ter mais custos e não vale a pena enganar as pessoas".
"Os cuidados de saúde vão ser crescentes, os custos na saúde vão ser crescentes. Temos de antecipar as discussões sobre o financiamento. Se queremos continuar a financiar a saúde pelos impostos, ou se deve haver outra maneira. Para mim, a principal fonte de financiamento devem ser os impostos progressivos de forma solidária e devemos ver qual a repercussão disso", frisou.
Sobre o futuro na Saúde, Paulo Macedo considerou que, daqui a uma década, a sociedade será "mais envelhecida, mas com melhores indicadores de saúde".
O Bloco de Esquerda (BE) quer retomar a exclusividade dos profissionais no Serviço Nacional de Saúde (SNS), e irá debater a matéria no domingo quando fechar o seu manifesto eleitoral para as legislativas.
A exclusividade dos profissionais do SNS "deverá ser promovida com base na valorização salarial, impedindo a fuga de profissionais para o privado e desencorajando a acumulação de funções", indica uma proposta a ser debatida no domingo e revelada por fonte bloquista à Lusa.
Uma versão provisória do manifesto eleitoral foi já revelada pelo partido, mas no domingo haverá, em Coimbra, uma discussão sobre o texto e outras propostas entretanto reveladas e que serão, então, sujeitas a votação global.
Na área da Saúde, o partido pede "auditorias ao funcionamento, actividade e resultados de organismos centrais e regionais do Ministério da Saúde", de modo a que seja conhecida a "real situação" dos mesmos.
O BE propõe-se ainda a aumentar o financiamento atribuído à despesa pública em saúde para 8,5% do PIB, sendo que, diz o partido, este encontra-se hoje nos 5,9%, para uma média OCDE de 9,3%, em 2012.
Este reforço financiaria o Fundo Especial para a Inovação Terapêutica, apoiaria "uma nova e efectiva política de promoção da saúde e prevenção da doença" e haveria também um "investimento prioritário nos novos hospitais de Lisboa, Seixal e Gaia" e "no alargamento da rede pública de cuidados continuados e na implementação da rede nacional oncológica".
Os bloquistas pedem também a eliminação de taxas moderadoras e a introdução de uma taxa extraordinária de apoio à inovação cobrada anualmente sobre as vendas dos fabricantes.
O redesenhar da orgânica do Ministério, com a criação da Secretaria de Estado para a Promoção da Saúde e Prevenção da Doença, é outro dos desígnios do partido que tem em Catarina Martins a sua porta-voz.
A III Conferência Nacional do Bloco de Esquerda terá lugar este domingo em Coimbra e aí, diz o partido, dar-se-á a "finalização dos trabalhos de elaboração do manifesto eleitoral às próximas eleições legislativas, que será votado no final dos trabalhos".
Cerca de 170 prestadores de cuidados de saúde, 16 dos quais em Lisboa, apresentaram propostas ao concurso para a realização de colonoscopias através do Serviço Nacional de Saúde (SNS), segundo dados da Administração Central dos Sistemas de Saúde (ACSS).
As propostas foram apresentadas até ao passado dia 9 de Junho, altura em que o concurso fechou, estando agora em fase de “procedimento de contratação”.
Foram apresentadas 170 propostas, das quais 16 referentes ao distrito de Lisboa - o que “poderá triplicar o número de prestadores na capital” –, 43 no Porto e 24 em Coimbra.
De acordo com a ACSS, com este concurso “será alargada a prestação de serviços a mais prestadores, garantindo uma melhor qualidade na prestação”.
“O novo modelo de contratação com o sector convencionado permite colocar todos os prestadores privados e do sector social perante regras e mecanismos de aplicação uniformes, que garantem um ambiente de actividade transparente e com adequado funcionamento das regras de mercado, possibilitando assim que existam mais prestadores a responder às necessidades em saúde dos cidadãos que estão cobertos pelo SNS”.
A ACSS recorda que “os utentes do SNS que possuam uma credencial emitida pelos serviços e estabelecimentos de saúde” públicos podem dirigir-se a qualquer uma das várias entidades que estão convencionadas com o Estado a nível nacional e aí realizarem as colonoscopias.
O concurso público em questão determina que “o prazo máximo para os utentes apresentarem as requisições para a marcação das colonoscopias a efectuar é de 15 dias úteis a partir da data da prescrição”.
“A realização das colonoscopias requisitadas deve ser efectuada no prazo máximo de 20 dias úteis, a contar da data da apresentação da requisição”, esclareceu a ACSS.
Novos prestadores vão disponibilizar colonoscopias com sedação - esclarece Paulo Macedo
O ministro da Saúde, Paulo Macedo, esclareceu hoje que os utentes que optarem por realizar colonoscopias nos novos prestadores de serviços de saúde terão a opção de efectuar o exame com sedação.
Em Coimbra, à margem da sessão de abertura das XXV Jornadas Internacionais de Oftalmologia, onde entregou a Medalha de Ouro do Ministério da Saúde à Faculdade de Medicina, Paulo Macedo disse que os utentes terão ao seu dispor "as duas possibilidades, com ou sem sedação, com preços distintos, exactamente como no sector público".
"Tivemos manifestação de interesse de um conjunto muito significativo de prestadores que poderá aumentar a oferta em termos absolutos, diminuindo os tempos de espera, mas também dando uma nova dimensão geográfica", salientou Paulo Macedo.
Ainda segundo o ministro da Saúde, seguem-se agora os procedimentos de apuramento dos interessados e, se não existirem reclamações ou impugnações, os novos prestadores poderão iniciar as convenções "muito em breve, dentro de um, dois meses".
O Tribunal de Contas (TdC) identificou o pagamento de uma dívida bancária de 19.3 milhões de euros através do orçamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS), em 2013, que reduziu os recursos destinados à produção de cuidados de saúde.
De acordo com uma auditoria de seguimento das recomendações formuladas no Relatório da auditoria orientada à consolidação de contas e análise à situação económico-financeira do SNS 2011, o valor em questão destinava-se ao pagamento total da dívida bancária de um Agrupamento Complementar de Empresas (Somos Compras, ACE).
Os 19,3 milhões de euros foram consignados ao pagamento da dívida bancária acumulada do Somos Compras, ACE, um Agrupamento Complementar de Empresas criado em 2007 sem capital social, para implementar e operar uma estrutura partilhada de aquisição de bens e serviços e de logística.
Os centros hospitalares de Lisboa (Lisboa Norte, Lisboa Central e Lisboa Ocidental) detinham uma participação de nove por cento (três por cento cada) e o Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH) uma participação de 91 por cento.
A dívida foi adquirida pelos centros hospitalares Lisboa Norte, Lisboa Central e Lisboa Ocidental.
Segundo o TdC, em 2013 “a despesa do SNS com a aquisição de serviços de saúde a unidades de saúde do sector empresarial do Estado inclui encargos não decorrentes de contratos programa, no total de 19.3 milhões de euros”.
“O registo contabilístico dos 19.3 milhões de euros dilui este montante nas verbas destinadas à aquisição de cuidados de saúde, impossibilitando, desta forma, a sua identificação como verba destinada ao pagamento de uma dívida bancária derivada de participações financeiras num Agrupamento Complementar de Empresas” (Somos Compras), lê-se no relatório.
De acordo com a auditoria, “o pagamento de 100 por cento” desta dívida bancária pelos três centros hospitalares de Lisboa, “consubstanciou uma solução financeiramente equivalente a um 'empréstimo' de longo prazo, utilizando como intermediários os três centros hospitalares de Lisboa, ao SUCH”.
Para o TdC, a Administração Central dos Sistemas de Saúde (ACSS) “incorreu num erro material de contabilização e incumpriu o princípio da especificação, comprometendo o rigor e a transparência da despesa da ACSS e do SNS” ao contabilizar os 19.3 milhões de euros na rúbrica da aquisição de serviços de saúde e patrimonialmente na conta relativa aos fornecimentos e serviços externos (subcontratos, outros contratos, hospitais Entidades Públicas Empresariais), que é a rubrica utilizada pela ACSS para o registo dos adiantamentos aos hospitais do Sector Público Empresarial.
O TdC refere que, em 2015, com a execução de um despacho da Secretária de Estado do Tesouro e do secretário de Estado da Saúde, “repor-se-á no Orçamento do SNS a verba que havia sido utilizada, em dezembro de 2013, no pagamento de uma dívida bancária dissociada da actividade operacional dos hospitais, indo ao encontro das observações manifestadas durante o processo de auditoria”.
Data: De 24 a 25 de Junho
Local: Hotel D. Pedro, Lisboa
O Seminário de Jornalistas é uma iniciativa da MSD com a Escola Superior de Comunicação Social, com um histórico de nove anos, e contará, como habitual, com a presença de oradores reconhecidos pela sua experiência e contributo para o sector da saúde em Portugal.
No dia 24 de Junho decorre um Jantar Debate intitulado “Os Desafios dos cuidados de saúde primários vs os desafios dos cuidados hospitalares”.
“O Futuro do SNS - Acessibilidade, Sustentabilidade, Inovação e Qualidade” e as estratégias dos partidos PSD, CDS, PS, CDU, BE é o tema que marca a manhã de trabalhos do dia 25 de Junho.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) considera que o sistema de saúde português respondeu bem à pressão financeira dos últimos anos, conseguindo equilibrar a necessidade de consolidação das contas públicas com melhorias na qualidade.
Esta conclusão consta do relatório da OCDE que é hoje apresentado em Lisboa e que faz uma revisão sobre a qualidade dos cuidados de saúde em Portugal que foi solicitada pelo Ministério da Saúde no ano passado.
“O sistema de saúde português tem respondido bem às pressões financeiras dos últimos anos, equilibrando com êxito as prioridades de consolidação financeira e de melhoria contínua da qualidade“, referem as conclusões do relatório.
Como bons exemplos, a OCDE aponta, por exemplo, os indicadores de internamentos hospitalares por asma, doença pulmonar obstrutiva crónica e diabetes, sublinhando que “são das mais baixas taxas da OCDE”.
É ainda frisada a acentuada redução na mortalidade por doença isquémica do coração desde 1990, que actualmente é a quarta mais baixa entre os países membros da OCDE.
Contudo, a OCDE lembra que a mortalidade por AVC isquémico é mais elevada do que a média da OCDE, que as infecções associadas aos cuidados de saúde parecem ser mais comuns em Portugal do que nos outros países e que também nas cesarianas Portugal é o quinto país com taxas mais elevadas.
Em relação ao financiamento, o relatório considera que apesar da quebra acentuada depois de 2008, com a crise financeira global, Portugal ainda gasta mais percentagem do PIB em saúde do que a maioria dos países da OCDE. No entanto, os gastos per capita continuam abaixo da média da OCDE.
Sobre o sistema de saúde no seu todo, a OCDE considera que “Portugal tem uma arquitectura de qualidade robusta que, ao invés de muitos países, cobre todo o sistema de saúde”.
Ainda assim, a organização recomenda uma “reflexão estratégica” na área dos cuidados de saúde primários, sobretudo no que respeita ao equilíbrio entre os tradicionais centros de saúde e as unidades de saúde familiar, de forma a garantir que a “os cuidados de elevada qualidade são acessíveis a toda a população portuguesa”.
Numa análise do Ministério da Saúde ao relatório da OCDE que hoje é apresentado, o governo considera que o estudo “dá nota positiva aos sistemas de monitorização”, que destaca boas práticas e sublinha as “múltiplas iniciativas de melhoria global do Serviço Nacional de Saúde”.
“Reconhece este relatório que Portugal tem feito um progresso sustentado na melhoria da qualidade de cuidados de saúde conseguindo, no entanto, manter a contenção da despesa”, refere o Ministério.
O Serviço Nacional de Saúde poderia certamente funcionar melhor em várias ocasiões, mas daí procurar dar-lhe a extrema-unção ou começar a preencher a certidão de óbito vai um grande passo… Despropositado. A opinião é de Pedro Pita Barros, que em entrevista ao nosso jornal fala da sustentabilidade de um sistema demasiadas vezes empurrado para a ribalta das notícias por falta de capacidade de quem o administra de antecipar situações de crise, preparando planos de contingência para as enfrentar.
JORNAL MÉDICO | Ainda que recorrente, a questão da sustentabilidade do actual modelo de Serviço Nacional de Saúde (SNS) não é consensual. Há quem defenda que sim; que é sustentável… Quem garanta que não. Existe evidência que permita concluir num ou noutro sentido?
PEDRO PITA BARROS | A definição do que é sustentável não é clara. A maior parte das vezes está-se a pensar em financeiramente sustentável, e nesse caso a pergunta é na verdade sobre se o Governo consegue atribuir suficientes fundos ao Serviço Nacional de Saúde. Essa capacidade depende de vontade política, por um lado, e das utilizações alternativas dos fundos públicos, por outro lado. Fechar o Ministério da Educação ou cortar nas pensões pagas libertariam fundos suficientes para perto de duplicar o orçamento do Serviço Nacional de Saúde. Mas essa não é verdadeiramente uma opção. Assim, a sustentabilidade financeira do SNS tem que ser vista como a capacidade dos fundos necessários ao SNS serem compatíveis com o equilíbrio das contas públicas, dadas receitas públicas e as outras despesas públicas. Dentro deste enquadramento, é desejável que o financiamento do SNS seja compatível com os objetivos assistenciais do SNS, e que para o orçamento atribuído ao SNS as verbas sejam utilizadas com o melhor resultado possível.
JM | O aumento da comparticipação privada para a despesa com a saúde como forma de suprir as necessidades de financiamento futuras seria uma opção viável para manter o actual “standard” de prestação?
PPB | De certa forma, a participação privada é sempre 100%, a questão é saber se é feita antes da necessidade de cuidados de saúde e com redistribuição dentro da população (de pessoas com maiores rendimentos para pessoas com menores rendimentos, de saudáveis – que não necessitam de cuidados de saúde – para pessoas menos saudáveis – que precisam de recorrer a cuidados de saúde). Aumentar a comparticipação privada no momento de necessidade não deve ser vista como uma forma de financiamento, pois para ter efeito tem que ser grande, e se for grande destrói, pelo menos parcialmente, o valor da protecção financeira que o sistema de saúde deve dar.
JM | “O SNS está doente, mesmo moribundo” ouve-se amiúde. Está mesmo, mas tem cura, ou é caso perdido?
PPB | A expressão é manifestamente exagerada. Nos milhões de consultas realizadas todos os anos e nos milhares de internamentos, nos muitos episódios de urgência atendidos, na vacinação da população que todos os anos se realiza, temos evidência que o SNS funciona. Poderia certamente funcionar melhor em várias ocasiões, mas daí procurar dar-lhe a extrema-unção ou começar a preencher a certidão de óbito vai um grande passo, e despropositado.
JM | Existem outras opções de modelo de financiamento que permitam manter o SNS dentro nos limites do modelo “beveridgiano” de protecção social?
PPB | Existem sempre opções no sentido de pagamento antecipado através de um sistema público de proteção que depois tem prestação directa de cuidados de saúde. Actualmente é sobretudo financiado a partir de impostos gerais. A existência de um imposto próprio ligado ao rendimento seria uma opção possível (embora não lhe veja grande vantagem face à situação actual), bem como a introdução de parte de financiamento via impostos consignados. Para manter um Serviço Nacional de Saúde com forte prestação própria, o financiamento pago antecipadamente tem que surgir naturalmente via sistema de impostos.
JM | Há evidência que permita afirmar que a execução orçamental na Saúde segue o rumo traçado e até melhorou… Ou persistem dúvidas de que se mantêm os costumeiros desvios… Camuflados com, chamemos-lhes assim, “artifícios contabilísticos”?
PPB | Não há necessariamente uma questão de artifícios contabilísticos. Mas a informação sobre a execução orçamental melhorou nos últimos anos, sobretudo com a parte que é publicada mensalmente pela Direcção-Geral do Orçamento.
JM | Como justificaria a publicação da portaria n.º 82/2014 de 10 de Abril? Foi uma tentativa de passar “por entre as gotas da chuva” uma reforma estrutural, ou teve outro objectivo?
PPB | A classificação de hospitais não é propriamente uma reforma estrutural. No caso desta portaria implicaria uma arrumação administrativa dos hospitais, com efeitos na definição da sua actividade. Não me parece que tivesse outro objectivo que o fazer essa arrumação. A resistência essencial é que todos acham que se deve reduzir e alterar nos outros hospitais mas não no seu (em geral).
JM | Existe a percepção – pelo menos nos relatórios internacionais – de que a reorganização da rede hospitalar é uma das medidas cuja implementação está a ser bem-sucedida. Existe evidência de que está mesmo a acontecer, ainda que devagarinho… Dir-se-ia mesmo “à socapa”?
PPB | A reorganização da rede hospitalar não pode ser apenas uma medida ou uma portaria (ou mesmo uma lei). É importante que sejam criados mecanismos de adaptação permanente da rede hospitalar à evolução das necessidades da população. E esses processos são mais do que peças legislativas, são formas de trabalhar diferentes. Apesar do que tem sido feito, há ainda um trabalho considerável a realizar.
JM | Este Inverno o país assistiu a uma alegada situação de caos nas urgências. Um dos focos principais das notícias foi a escassez do número de camas. Ora, aceitando o princípio de que “cama disponível é cama ocupada”, a simples redução do número de camas verificado é suficiente para explicar o fenómeno?
PPB | O chamado “caos das urgências” tem, quanto a mim, muito de problemas de gestão e previsão, e de capacidade de ajustamento a situações extremas. A actividade dos hospitais é cada vez menos definida pelo número de camas (basta pensar no aumento das intervenções em ambulatório, de maior conforto e até segurança para os doentes). Se há menos internamentos e mais actividade de ambulatório, deixa de ser necessário em condições normais ter tantas camas num hospital, o que o torna mais sensível a picos de procura que impliquem a utilização dessas camas. Mais do que comprar camas que fiquem à espera de serem utilizadas até ao próximo pico de procura, ou que fiquem a ser utilizadas sem necessidade, é preciso que os hospitais tenham a capacidade de antecipar e de ter planos de contingência para picos de procura.
JM | Outra das razões apontadas foi a falta de resposta dos CSP. No entanto, se atendermos ao Balanço Social do Ministério da Saúde, verificamos, por um lado, que 78% dos recursos humanos estão concentrados nos hospitais e por outro, que os 22% de recursos humanos dos CSP realizam mais do dobro das consultas do que as prestadas nos cuidados secundários. Como se explica esta aparente contradição?
PPB | Os recursos humanos nos cuidados hospitalares fazem mais do que apenas consultas, enquanto nos cuidados de saúde primários fazem sobretudo consultas. Por exemplo, é normal pensar-se na actividade dos hospitais como tendo três a quatro grandes áreas: urgências, consultas externas, internamentos e hospital de dia/actividade em ambulatório. Os recursos humanos espalham-se por estas diferentes actividades. Não faz muito sentido uma comparação directa do número de consultas entre níveis de cuidados.
JM | A reforma dos CSP traduz-se, hoje, numa divisão da população em dois grupos com dimensão aproximada: os que são atendidos em USF e aqueles que o são nos centros de saúde tradicionais, hoje rebaptizados de UCSP… Que impactos destacaria nesta “divisão”?
PPB | Neste momento, a necessidade de saber se essa divisão corresponde de alguma forma a preferências da população quanto ao modelo de cuidados de saúde, ou se corresponde às preferências dos profissionais de saúde, ou se é resultado de decisões administrativas incompletas ou resultantes de inércia. Não há nada à partida que determine que os cidadãos preferem sempre inequivocamente um modelo face a outro, embora o modelo USF pela sua flexibilidade e eventual maior proximidade à população reúna as condições para ser preferido pelos profissionais de saúde e pelos cidadãos.
JM | O modelo USF induz aumento da oferta – cumprimento de indicadores – que chega mesmo a ser agressiva, com os utentes a serem convocados – quase intimados – para atendimento específico… Tendo em conta o estado de “saúde” das contas do SNS, não será de alguma forma contraproducente?
PPB | Se os indicadores estiverem bem definidos, é na verdade o contrário. Ao detectar precocemente problemas, essa intimação, como lhe chamou, pode evitar custos futuros aos cidadãos e ao Serviço Nacional de Saúde. Claro que a chave está em serem “bem definidos”, o que nem sempre é fácil, e simplesmente pagar para fazer algo sem efeito cria problemas às contas do SNS. Mas em geral a ideia que tenho de várias informações que têm sido disponibilizadas é que o modelo das USF com indicadores de desempenho se traduz em bons resultados, incluindo financeiros (apesar de faltar um estudo sistemático e profundo que seja conclusivo além de qualquer dúvida).
JM | Ao acréscimo da oferta, associa-se um aumento dos custos com pessoal, que nas USF de modelo B levam a que no limite – que é a situação mais frequente – pelas contas do Tribunal de Contas um médico ganhe mais do que o Presidente da República. Se o modelo é custo-efectivo… Em princípio deveria ser alargado a todo o universo. Seria custo-suportável?
PPB | A questão é saber se devemos olhar categoria de despesa a categoria de despesa, ou no total. Se os médicos gerarem poupanças na utilização de outros recursos, podem ganhar mais e ainda assim levarem a menor despesa global no sistema de saúde.
JM | Segundo o Ministro da Saúde, há cerca de um milhão de portugueses sem médico de família atribuído. Como se explica este cenário tendo em conta que existem médicos de família em número mais do que suficiente para cobrir toda a população?
PPB | Há, como é reconhecido, também um problema de distribuição de médicos pelo espaço geográfico. Há médicos com diversas funções. E não há uma distribuição uniforme da população pelo território. Por exemplo, hipoteticamente, se numa localidade perto de Bragança existirem mil pessoas, e numa outra localidade perto de Vila Real de Santo António existirem duas mil pessoas, dois médicos permitem atingir o dito rácio de 1.500 utentes, mas uma das localidades terá 500 utentes sem médico de família, pois o médico que servir a primeira localidade não tem possibilidade física para o fazer na segunda. Juntando estas explicações, surgirão zonas em que há cidadãos sem médico de família.
JM | “Os médicos do SNS estão a emigrar e a fugir para o privado”, ouve-se com frequência… No entanto, se atendermos aos dados do INE (ver destaque do Dia Mundial da Saúde), a verdade é que o saldo líquido no SNS de 2002 a 2013 é positivo (+1.822) e nos hospitais privados… Negativo (-972). Como se explica a aparente contradição?
PPB | É mais fácil dar publicidade aos casos de transição do sector público para o sector privado, normalmente de profissionais com alguma senioridade, do que ao recrutamento de jovens profissionais para o SNS. Dá-se mais relevância a uma saída de um chefe de serviço do que à entrada de dois jovens médicos nesse mesmo serviço. As percepções nem sempre correspondem à realidade.
JM | Custo da inovação. Como decidir… O que aconselharia?
PPB | Em parte, o caminho que está a ser seguido, de avaliação do valor terapêutico que essa inovação acarreta. Em segundo lugar, o repensar do modelo de remuneração dessa inovação, numa perspectiva ampla. Tem-se criado uma visão de que a inovação deve ser paga pelo valor que gera. O que sendo apelativo como princípio não é necessariamente correcto quando leva a que o valor da inovação seja definido pelo custo do que vem substituir, ou pelo valor máximo que haveria disponibilidade para pagar. Num sistema económico a funcionar bem, os preços deveriam corresponder aos custos de produção e não ao máximo valor que é gerado por essa inovação. O pagar a inovação significa que deve ser dado ao inovador o valor suficiente para pagar o esforço de inovação (e não todo o valor gerado pela inovação). Como as inovações surgem internacionalmente, mais cedo ou mais tarde terá que haver um esforço concertado para repensar o modelo de remuneração da inovação.
JM | No nosso modelo de protecção social, o mercado do medicamento – como também o MADT – é no mínimo sui generis… Quem paga não prescreve nem toma; quem prescreve, não paga nem toma e quem toma, não prescreve nem paga. Tendo em conta as projecções associadas ao índice de envelhecimento… Não seria razoável introduzir um factor de equilíbrio nesta equação? Por exemplo…
PPB | Não é um problema de factor de equilíbrio. É um problema de reconhecer as distorções de decisão que resultam desse triângulo e procurar introduzir os mecanismos que as mitiguem. A avaliação de tecnologias é um desses mecanismos. Um maior envolvimento dos doentes no próprio processo de decisão é outro, bem como mecanismos que levem quem prescreve/decide tenha em atenção custos e benefícios das decisões que toma.
A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.