A pandemia tem demonstrado o papel essencial da comunicação na adesão dos cidadãos às recomendações das autoridades de saúde. Uma das mensagens que tem sido mais veiculada é a importância das atitudes e dos comportamentos individuais, procurando-se capacitar os cidadãos como agentes de mudança de saúde pública. Porém, a efetividade desta medida tem ficado aquém do esperado e têm sido adotadas medidas coercivas para a contenção da pandemia. Era esperado que assim acontecesse. A capacitação, aqui entendida numa perspetiva de cidadania - como o aumento do controlo da pessoa sobre a sua vida - tem o enfoque no aumento da confiança e no desenvolvimento de competências para a tomada de decisões esclarecidas. É aparentemente com informação e conhecimento, que se conquista um maior controlo sobre as ações que afetam a nossa saúde. No entanto, a evidência sugere que nós selecionamos a informação que suporta as nossas escolhas. Num estudo recentemente divulgado no jornal Publico sobre o comportamento das pessoas na procura de informação de apoio às decisões, investigadoras da Nova SBE Behaviour Lab esperavam que os participantes a quem foi explicado o que era o “viés de confirmação” (a procura de informação que apenas sustente as nossas crenças prévias sobre determinado assunto) mudassem a sua atitude e passassem a ler notícias mais variadas. No entanto, observaram que os participantes continuaram a mostrar preferência pelas notícias que iam de encontro às suas convicções (e.g. na procura de notícias sobre a vacinação COVID-19), apesar de terem passado a conhecer o conceito do “viés de confirmação”. Estas conclusões apoiam a complexidade da nossa prática clínica, bem conhecida dos médicos de família, nomeadamente na difícil tarefa de compreender os padrões de pensamento e modos de agir na mudança de comportamentos. A alteração de hábitos e atitudes, que determina as decisões em saúde, é influenciada por um conjunto diverso e complexo de fatores no contexto de cada pessoa. Estes resultados fazem também pensar na responsabilidade de quem lidera em transmitir confiança aos cidadãos e em dar informações e orientações de forma clara e justificada, com a evidência do conhecimento actual e adaptada aos vários grupos-alvo. Sou também da opinião que para desenvolvermos confiança e empoderamento individual e coletivo, é necessário esclarecer um equívoco existente entre alguns decisores técnicos/políticos e profissionais de saúde, e os cidadãos. Existe, em alguns momentos da nossa vida coletiva, uma expectativa excessiva no que concerne à realidade e à capacidade de resposta da medicina atual, onde a incerteza e, algumas vezes, a turbulência recheiam o nosso quotidiano. Esta ideia foi bem identificada por David Newman no livro “Onde falham os médicos” (vale a pena ler). Para Newman “compreender os limites do conhecimento médico é essencial para tirar benefícios dos cuidados de saúde. Infelizmente, alguns médicos (e outros) agem muitas vezes como se soubessem todas as respostas e os doentes presumem muitas vezes que os médicos as sabem, quando de facto isso não acontece. Esta combinação de prevaricação inconsciente e de incompreensão mútua é uma das cunhas que tem ajudado a cavar o fosso entre médicos e pacientes. Como consequência deste paradigma disfuncional, quando um diagnóstico, é desconhecido - circunstância esta completamente frequente e plausível, dado o estado da nossa ciência - as pessoas ficam zangadas ou perdem a confiança”. Esta reflexão de Newman sobre a “dissonância cognitiva” entre alguns pacientes e médicos, mas aplicável a outros profissionais de saúde, decisores políticos e outros, em relação às expectativas criadas pelo conhecimento médico e sua capacidade resolutiva, fez-me questionar sobre como comunicar em tempos de indecisão e insegurança. Como actores da promoção da saúde, que procuram aplicar as orientações técnicas no terreno, como devemos transmitir informação que se altera de forma constante e, por vezes, é contraditória? Como devemos comunicar quando a incerteza é maior que o conhecimento? Segundo Ávila e Mendes1 é fundamental melhorar os níveis de literacia da população para melhorar os resultados dos cuidados prestados àqueles que nos procuram, mas também, é necessário aumentar a formação dos profissionais de saúde em estratégias de comunicação e de partilha de decisão, diversificar estratégias de acordo com os níveis de competência em literacia, implementar iniciativas dirigidas aos grupos mais vulneráveis e monitorar a literacia para a saúde a nível nacional. Mário Santos 1 Espanha R, Ávila P, Mendes RV. Literacia em Saúde em Portugal: relatório síntese. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian., 2016.