Displaying items by tag: Rui Cernadas

quarta-feira, 13 abril 2016 18:37

Rui Cernadas: inovação e investigação

[caption id="attachment_11851" align="alignnone" width="300"]CernadasRui1 Rui Cernadas - médico de família em funções no Conselho Diretivo da ARS do Norte, IP - Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.[/caption]

Assistimos muitas vezes à discussão sobre o acesso aos fármacos inovadores, muitas vezes alimentada pelo “ruído” da comunicação social… Frequentemente abordados por jornalistas generalistas, com pouca preparação na área da Saúde.

Não querendo discutir o significado de inovação, parece-me, ainda assim, que a questão se deve centrar no papel dos avanços terapêuticos e no impacto que estes possam ter em resultados de saúde.

Na Oncologia, por exemplo, há que perceber se falamos, ou não, de tratamentos de “fim de linha”, com ação paliativa, se permitem ganhos de sobrevida ou de qualidade de vida ou, até, na área do diagnóstico, eventualmente, em tecnologias porventura menos invasivas, mas específicas ou mais eficientes, por exemplo.

Ao mesmo tempo, porém, o tabaco, que constitui sem dúvida uma das principais – senão a principal – causa de cancro entre nós, para além das múltiplas e demonstradas repercussões na saúde, não merece, por parte dos “media”, a atenção que poderia contribuir para uma verdadeira campanha de saúde pública e de cidadania.

Não basta que os governos limitem a publicidade nos estádios e outros recintos desportivos, ou nas televisões, ou até nos circuitos televisivos mais convencionais, porque na verdade todos veem o tabaco como um veículo fiscal relevante…

Seria bom que a campanha contra o tabagismo encarasse as vertentes do ciclo global da adicção, entendendo as fases experimental, comportamental e da necessidade.

Mas também é não de tabaco que vos quero falar hoje.

Em Portugal, a investigação clínica tem vindo a sofrer transformações significativas, ainda que, sem dúvida, continue a resultar maioritariamente das apostas e do investimento da indústria farmacêutica.

Vemos os maiores hospitais a captarem ensaios clínicos importantes e a serem seguidos pelos mais pequenos, igualmente apostados numa via de acesso a maior qualidade na prestação de cuidados de saúde e de actualização dos profissionais que integram as equipas de investigação.

Também os cuidados de saúde primários, com o seu manancial de unidades, de profissionais, de condições e de organização do trabalho e do quadro assistencial de base populacional, despertam para esta realidade e vão aparecendo os primeiros envolvimentos de várias USF nessa linha, com o apoio da Unidade de Investigação Clínica da ARS do Norte.

Tem sido reportado, pelo menos desde 2013, data da publicação de um estudo da Price Waterhouse Coopers que, para o nosso país, por cada euro investido em ensaios clínicos, o retorno esperado é de cerca de dois euros!

Na verdade, o SNS muito tem a lucrar com estas iniciativas, tanto mais que, para um bom nível assistencial e de prestação de cuidados, há que ter profissionalismo, competência técnica e formativa e investigação!

É claro que as necessidades em saúde são sempre prementes e estão em constante evolução, num mundo no qual as agências reguladoras se tornaram mais exigentes e atentas e as empresas farmacêuticas consagram significativa canalização de meios e recursos para os sectores dos assuntos regulamentares, da gestão de risco e notificação de efeitos adversos ou inesperados, para as boas práticas internacionais e qualidade dos processos.

O papel das associações de doentes – ou em torno de doenças – sem perder de vista os interesses mais legítimos na defesa dos respetivos direitos, assume hoje uma dimensão nunca vista.

Tudo isto para concluir que, não só pelas condicionantes económicas e financeiras da indústria, os processos ligados à investigação clínica estão também em mudança.

Desde logo, pela obrigação – recorrentemente demonstrada – de entre as agências do medicamento, os governos e as farmacêuticas se definir ou desenhar um novo modelo que facilite – em tempo – que não em exigência e conhecimento, o prazo de aprovação dos novos medicamentos. E porque isso significa que países como Portugal não podem deixar passar as oportunidades de investigação.

A própria Ordem dos Médicos deve manter-se empenhada neste esforço nacional e o facto de ter, desde 1997, uma Competência em Medicina Farmacêutica pode e deve ser aproveitado como uma outra oportunidade de interesse.

Como sempre e em tudo, ganha quem tem visão estratégica, capacidade de antecipação e sentido de oportunidade…

Published in Opinião
Tagged under
terça-feira, 15 março 2016 16:41

Rui Cernadas: repensando os hospitais…

CernadasRui1
Há muitas vezes a tentação de comparar de modo direto a produção dos cuidados de saúde primários (CSP) com a dos cuidados hospitalares.

Aliás, a própria ACSS produz informação anual nesse sentido, resumindo a números grande parte da atividade do SNS.

A realidade é que os cuidados hospitalares excedem na sua capacidade produtiva a mera questão das consultas, primeiras e segundas ou subsequentes, ou até a habitual separação entre consultas externas, episódios de urgência, internamentos hospitalares e produção de ambulatório.

Ainda assim não se pode ignorar a assimetria na distribuição e afetação dos recursos humanos, com quase 80% deles alocados aos hospitais e pouco mais de 20% aos CSP…

O futuro do SNS e por isso dos nossos cidadãos e contribuintes não pode ficar aprisionado ou refém de decisões estratégicas de fundo… E de prazo. Pelo contrário.

É por isso que se pode tornar perigoso discutir ou trazer à praça pública os assuntos de forma avulsa e não integrada, ou de modo apressado e superficial. Por exemplo, relativamente à questão da reorganização da rede hospitalar e dos serviços de urgência.

Esta reflexão, primeiro, e decisão depois, não pode nem deve obedecer a lógicas mesquinhas e paroquiais, em que todos concordam com a generalidade, mas em que ninguém quer o seu “quintal” prejudicado ou secundarizado. E muito menos nos devemos deixar “embarcar” em soluções do tipo licitação ou compensação a título indemnizatório. Ninguém o compreenderia e tornaria impossível a aplicação de uma política tecnicamente credível e sustentada à escala nacional, primeiro, e regional depois.

A oferta hospitalar deverá articular-se com a acessibilidade e a proximidade dos CSP e com a avaliação, a cada momento, das necessidades em saúde da população afeta a cada instituição.

Não me parece, portanto, que possa ou deva constituir uma medida isolada ou precipitada no plano legislativo.

Até porque apesar das crises e dos apelos às camas hospitalares, ainda que legítimos e bem-intencionados, a organização do modelo hospitalar evolui e deve ser adaptada às novas exigências do saber e competências técnicas bem como à procura demográfica e epidemiológica.

A Organização Mundial de Saúde sublinha até a mudança de paradigma que fez reduzir a procura de cuidados por doenças agudas, infeciosas e nutricionais, e aumentar o peso das doenças crónicas e da necessidade da sua gestão.

Mais de metade da atividade cirúrgica realizada nos hospitais portugueses é realizada em ambulatório… Com mais economia para o sistema, maior conforto e menor risco para os utentes. Esta é, sem dúvida, uma razão estrutural para conduzir à redução da oferta de camas hospitalares. E nem falo da oferta privada e social sobre a qual deixo apenas uma breve nota… Relativamente ao número de cesarianas, ainda tão altas no âmbito do SNS e referidas como aspeto negativo pela OCDE e sobre as quais ninguém se dispõe discutir e que são claramente mais elevadas na hospitalização privada.

Regressando às camas hospitalares desativadas, o envelhecimento populacional e as comorbilidades podem acentuar uma procura relativa, em especial quando as urgências são pressionadas, aconselhando-se, por isso, uma nova lógica de previsão e gestão das disponibilidades das lotações, em função de necessidades específicas.

Talvez assim, um novo circuito conceptual do modelo hospitalar possa ser mais elástico e suscetível de capacidade de resposta a cada momento e realidade.

No fundo, em correspondência com as tendências da sociedade moderna, privilegiando quanto é portátil, rápido, acessível, fácil, imediato, fiável e reprodutível…

Afinal, poderá ser mais importante e mais adequado pensar os hospitais, em Portugal, mais do que através de “estrelas hoteleiras”, numa dimensão de eficiência do desdobramento da oferta face procura.

Published in Opinião
Tagged under

[caption id="attachment_11851" align="alignnone" width="300"]CernadasRui1 Rui Cernadas - Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.[/caption]

Ter um livro novo por perto faz por mim o que, provavelmente, um telemóvel de décima quarta geração e aplicações anunciadas para o século XXII não conseguem: despertar-me, entusiasmar-me e levar-me a pensar. É verdade que os meus dedos não se exercitam nem teclam da mesma forma que muitos já se habituaram a fazer. Como também é certo que não poupo mais os olhos do que quem os concentra naqueles poucos centímetros quadrados dos ecrãs dos smartphones, tablets e telemóveis.

Mas o prazer do folhear os livros, o cheiro do papel novo, a descoberta dos autores e a leitura dos textos deixa-me inebriado.

Ora, a quadra natalícia, mais do que um período excelente para mexer em livros, propicia uma oportunidade renovada para que sob o pretexto de adquirir alguns para oferecer a amigos e familiares, ver e espreitar as novas edições ou rever as obras que, por uma ou outra razão – para além da do custo – nem sempre conseguimos levar para casa.

“Tempo escandinavo” é um desses casos; um livro de contos escrito por José Gomes Ferreira, notável ficcionista e colaborador de revistas como a “Presença” ou a “Seara Nova”, homem de ideias e de ideais, ligado ao grupo do “Novo Cancioneiro”.

Estes contos, publicados em 1969, evocam de algum modo a sua passagem pela Noruega, onde entre 1926 e 1929 exerceu as funções de cônsul de Portugal na cidade de Kristiansund.

Deixo-vos um convite à sua leitura, em especial do conto “A Cidade Despida”, sugerindo-vos que o que leiam seguindo as instruções do autor:

- “Calçamos as galochas, descemos as escadas e encontrámo-nos na rua da Cidade Vestida de frio branco.”

Conselho dado, avanço para outro tema, sempre presente e sobre o qual nunca é demais acrescentar alguma coisa: a insuficiência cardíaca, um problema que em Portugal é claramente subestimado.

Tomando como fonte a prevalência aferida a partir dos dados do Estudo “EPICA”, já de 1998, confrontamo-nos em Portugal com taxas superiores a 16% entre a população com mais de 80 anos de idade.

As atuais tendências demográficas vieram agravar o quadro, ao revelarem uma elevada incidência da doença em escalões etários mais jovens; em indivíduos ainda em idade ativa, facto a que se associa, para além de um acréscimo significativo de custos, um aumento da procura de cuidados de saúde e com ela a necessidade de os cuidados de saúde primários terem de ser chamados a intervir.

Um enquadramento estratégico do problema deverá incluir e sublinhar a importância da insuficiência cardíaca enquanto síndroma no Programa Nacional de Doenças Cérebro e Cardiovasculares; a atualização em termos de formação específica e diagnóstico precoce, a adequação e inclusão de exames diagnósticos como os biomarcadores peptídeos natriuréticos nas tabelas dos MCDT comparticipados no âmbito dos cuidados primários; a padronização formal no tocante aos relatórios dos MCDT, como os ecocardiogramas, a preparação para a prevenção pela intervenção precoce em meio ambulatório; o reforço da articulação e integração de cuidados entre médicos de família, internistas e cardiologistas… Enfim, a criação de novos indicadores clínicos que alarguem interesses e responsabilidades servindo a saúde dos utentes do SNS e os portugueses.

A discussão desta estratégia não cabe num artigo de opinião, numa crónica.

Também não é esse o objetivo.

Apesar do reconhecimento dos sinais e dos sintomas da insuficiência cardíaca ser essencial para um diagnóstico atempado, também é sabido que mesmo no contexto do diagnóstico hospitalar, seja pela urgência, seja pelo internamento, a síndroma é fracamente referenciada enquanto diagnóstico principal no retorno aos CSP.

O facto de os doentes serem cada vez mais um enorme somatório de comorbilidades, pode reunir um quadro de factores de confundimento e assim dificultar a instituição do diagnóstico.

É por isso que, igualmente, o envolvimento dos doentes e dos seus cuidadores no conhecimento da insuficiência é uma dimensão a não ignorar neste combate.

A identificação de doentes em risco pode facilitar o diagnóstico e torná-lo menos tardio e assim menos complicado.

Termino com uma frase que ouvi e anotei, algures, num congresso recente da cardiologia, atribuída a L. Frank Baum: “os corações nunca serão práticos enquanto não forem feitos para não se partirem”…

 

Published in Opinião
Tagged under
quarta-feira, 30 dezembro 2015 12:00

Rui Cernadas: uma espécie de alerta…

[caption id="attachment_11851" align="alignnone" width="300"]CernadasRui1 Rui Cernadas - Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.[/caption]

Nem sempre tudo o que parece é… Como também nem sempre tudo o que é parece, diz o povo na sua infinita sabedoria. Vem o adágio a propósito da prescrição médica e do facto de poder não existir uma relação linear entre a despesa com medicamentos comprados nas farmácias e uma prática clínica de qualidade.

Vivemos numa sociedade em que as pessoas tendem a pretender – talvez de forma exagerada – medicação para as suas queixas e sintomas, tendência que frequentemente resulta em reclamações contra decisões médicas de não instituição de terapêutica farmacológica. Ora, a verdade é que é ao clínico que compete ajuizar da necessidade do medicamento ou da mais-valia que a sua prescrição pode representar para uma dada situação concreta.

Os dados mais recentes mostram que Portugal foi o país da OCDE que registou a maior diminuição da despesa com medicamentos adquiridos nas farmácias entre 2009 e 2013… E que a redução – na ordem dos 11% – na componente de despesa pública, foi largamente superior à da média dos vinte e oito países que integram aquela organização internacional.

Ou seja, o sentido ou a tendência de quebra foi generalizado, tendo sido mais marcada em alguns países, como a Dinamarca, a Islândia ou a Grécia. Esta média, em concreto, e em 2013, compara os 358 euros por cidadão português com os 471 euros em termos médios per capita da OCDE…

A queda na despesa com medicamentos registada em Portugal foi acompanhada, desde 2010, por uma diminuição consistente do consumo de antibióticos. Um dado relevante, já que Portugal, nesta área, apresentava um consumo médio muito elevado, o que como se sabe, não traduz uma boa prática, obrigando a um esforço suplementar no controlo da infeção e da resistência aos antibióticos, que se deverá manter na agenda e na linha das preocupações da chamada governação clínica, em especial no plano hospitalar, mas também nos cuidados primários. Nesta linha, sublinha-se o recente alerta da Sociedade Portuguesa de Pediatria de que cerca de 54% das nossas crianças já tomaram antimicrobianos no seu primeiro ano de vida, facto que nos deve preocupar a todos. O peso das infeções virais neste grupo etário não pode ser nem ignorado nem esquecido. O contributo de opções farmacológicas erradas ou inadequadas, nestas idades, vai condicionar o aumento das resistências no futuro. Nunca é de mais recordar que se estima que na Europa morrem anualmente cerca cinquenta mil indivíduos por infeções graves não sensíveis aos antibióticos disponíveis! Os casos sempre mediatizados e que põem em cheque o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e relacionados com o aparecimento de estirpes bacterianas resistentes e multirresistentes está – inequivocamente – relacionada com a administração injustificada de antibióticos ou com um uso empírico, desmedido e incorreto, dos mesmos. Para além disso, o impacto no plano das reações adversas a medicamentos não pode ser minimizado em indicações e pacientes de risco. Também aqui os dados que se conhecem e que apontam para uma estimativa de cerca de 15% das admissões hospitalares nos países mais desenvolvidos, devem ser ponderados.

Parece-nos que seria útil prosseguir uma estratégia que, em relação aos cidadãos, os envolvesse na gestão da sua própria condição de saúde, a par de uma política de informação e promoção da saúde verdadeiramente nacional e, evidentemente, arrastando nesse projeto a comunicação social e quantos se arrogam o dever do interesse e do serviço públicos… Sem deixar de fora, obviamente, os farmacêuticos, sobretudo os comunitários, seguindo aliás exemplos atuais do Reino Unido e consubstanciados num protocolo articulado entre a National Association of Primary Care e a Royal Pharmaceutical Society (publicado no BMJ, 2015; 351:h4427).

Mas aos médicos e às instituições assistenciais do SNS, num genuíno e constante alinhamento com as campanhas de racionalização do uso de medicamentos antibióticos e de prevenção das resistências pede-se mais: pede-se que sejam cautelosos, mas não imprudentes, que sejam atentos, mas não precipitados, que sejam humanos… Mas que não deixem de ser médicos.

Published in Opinião
Tagged under
quarta-feira, 09 dezembro 2015 16:00

Rui Cernadas: desculpem mas eu li! Qualidade em Saúde

[caption id="attachment_11851" align="alignnone" width="300"]CernadasRui1 Rui Cernadas - Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.[/caption]

Não é nossa intenção escrevinhar aqui e agora qualquer artigo científico ou monografia sobre a qualidade em saúde.

Não porque o assunto o não justificasse ou merecesse, mas tão simplesmente porque não sei o suficiente sobre o tema.

Há, de resto e para os mais interessados, vasta bibliografia, nacional e estrangeira, em torno da matéria e sob ângulos diversos, incluindo a gestão da qualidade em saúde, o modelo integrado de qualidade em saúde, a perceção dos utentes, a governação de hospitais e de cuidados de saúde primários, modernização, qualidade e inovação, indicadores de qualidade em saúde, análises de satisfação, definições de qualidade e métodos de avaliação, determinantes da qualidade, evolução do conceito de qualidade, gestão e qualidade, excelência em serviços, enfim…

Na verdade, a relação entre a prestação de cuidados de saúde, a todos os níveis de diferenciação, e a designada qualidade em saúde tornou-se quase permanente.

Pelo menos, no plano do discurso e da linguagem.

Mas temos como certo que a noção da qualidade exige o mais amplo envolvimento de toda uma organização, a qual e por isso não pode deixar de acionar e motivar todos os profissionais do sistema, apontando no sentido do encontro e da resposta às necessidades e expectativas dos cidadãos, como clientes. E em similar sentido para os profissionais.

Contudo, se se reconhece o papel e a posição chave dos utentes e cidadãos, por exemplo no caso do Serviço Nacional de Saúde (SNS), onde são também contribuintes, e até se preconiza tal função no modelo de organização dos serviços de saúde, a medida ou avaliação da respetiva satisfação em resposta aos cuidados dispensados pode não bastar. Diria mesmo que não bastará. Ou seja, o mero exercício do direito legal de recolha da opinião do utente não chega para uma estratégia autêntica e real de modificação ou adoção de novas formulações ou enquadramentos funcionais.

A perceção da qualidade de um serviço é traduzida segundo modelos tão pessoais e personalizados que, se perguntássemos a dez pessoas, à saída duma consulta hospitalar ou de uma urgência, ou de uma unidade de saúde familiar (USF), o que é a qualidade, obteríamos como resposta outras tantas e diferentes análises ou expressões.

E é importante falar sobre isto porque, muitas vezes, o SNS assume posições contraditórias mesmo que necessárias ou indispensáveis.

De alguma forma, diria, o período histórico e social da Revolução Industrial, parece não ter atingido ainda a saúde.

De facto, a quantidade prevalece sobre a exigência de qualidade e será mais comum ouvir falar do tempo médio das consultas, do número de utentes por lista, da dimensão dos tempos de espera, da produção cirúrgica e outras, do que propriamente em metas ou indicadores qualitativos por excelência, sejam no plano organizativo ou, sobretudo, ao nível técnico e científico.

Os cuidados de saúde primários são até um exemplo disto.

O indicador relativo à medição da satisfação dos utentes, na linha da qualidade, em termos nacionais, desde a criação das USF só muito recentemente foi trabalhado e ainda assim, por amostragem.

Mas a saúde só tem “mas”.

E um deles, provavelmente dos mais fortes nesta abordagem, decorre do conceito de que a forma como um serviço é ou pode ser prestado é, assim, o aspeto fulcral a ser valorizado e percecionado pelo utente.

Provavelmente poderá vir a ser muito perigoso alimentar um rumo estratégico que não alargue responsabilidades e literacia.

Não creio, sinceramente que, a qualidade técnica e médica, neste caso, possa ser entendida facilmente pelo doente e utente.

Mas não tenho qualquer dúvida quanto ao fato de que, a Qualidade em Saúde, vai claramente para além da qualidade técnica e clínica do serviço disponibilizado…

Published in Opinião
Tagged under
quarta-feira, 11 novembro 2015 12:00

Rui Cernadas: desculpem mas eu li! Os “rankings”

Alguém me dizia, com propriedade, que os rankings valem pelo que valem e por norma, na verdade ajudam sempre a perder tempo. E dava como exemplo, na área profissional em que se movimentava – não clínica obviamente – que a empresa multinacional em que trabalhava estava muito confortável no respetivo ranking.

Additional Info

  • Imagem 314X277 Imagem 314X277
  • Imagem 720*435 Imagem 720*435
Published in Opinião
Tagged under
sexta-feira, 09 outubro 2015 15:35

Rui Cernadas: desculpem mas eu li! O logro

[caption id="attachment_11851" align="alignnone" width="300"]CernadasRui1 Rui Cernadas - Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.[/caption]

Os Portugueses consideram a saúde como um bem inestimável, valorizado como um princípio de cidadania reforçado pelo facto da universalidade do SNS ter tido efeitos marcadamente inclusivos e ser, na verdade, o principal exemplo entre nós da chamada coesão social.

É natural que, por outro lado, face à proximidade de tempos eleitorais, as pessoas se comportem livremente em função dos seus legítimos interesses, expectativas e alinhamentos político-partidários.

Uma das ideias mais escalpelizadas nos últimos anos respeita à reforma dos cuidados primários de saúde (CSP). O tema e a sua importância, de resto, justificam a insistência.

Pode dizer-se que faltou estratégia de longo prazo e que, porventura, os inúmeros e inesperados problemas com as dívidas do Estado em geral e as da saúde, em particular, terão “enterrado” outras preocupações ou hierarquizado os problemas de outra forma.

Tenho para mim que a seu tempo isso será entendido um pouco como o foi o investimento e a persistência de autarcas e das câmaras municipais com o foco no saneamento e na distribuição da água canalizada, hoje inquestionável no sucesso de alguns indicadores de saúde.

Por outro lado, a tutela da saúde manteve prolongado diálogo e negociação com as estruturas sindicais. Não terá - não digo esse fato em si - mas a castração para o debate com a participação de outros atores, como as ordens profissionais, a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar ou a ULS-AN, as associações de doentes, as instituições universitárias ligadas à saúde esvaziado ou afunilado, no mínimo, a reflexão e a abrangência em redor do processo de desenvolvimento dos CSP em Portugal?

Em que medida não nos perdemos em discussões de contornos ou natureza meramente laboral ou profissional no limite, sem qualquer impacto nos planos assistenciais, na promoção da saúde ou até na qualidade?

Basta atentar, por exemplo, no esforço para definir e criar incentivos à fixação dos profissionais da saúde nas chamadas zonas mais periféricas e ligadas a uma maior rarefação demográfica.

A rarefação demográfica não é, todavia, a única justificação para a carência de recursos qualificados… Afinal de contas, é no território em volta de Lisboa que a falta de médicos de família é mais acentuada

Ou um outro tema para reflexão.

Nos últimos tempos, tudo e todos reclamam o alargamento e aumento do número de camas na rede nacional de cuidados continuados. Isto sem sequer se ter iniciado uma articulação clínica ou aprofundado a relação técnica operacional entre os diversos níveis prestadores de cuidados…

Ou mesmo se equacionou a discussão séria que se impõe, quanto à alteração do paradigma assistencial marcado pelo aumento claro da procura no que se refere às doenças crónicas e degenerativas e uma diminuição da procura associada às doenças infetocontagiosas, num cenário global de envelhecimento óbvio?…

Os problemas da saúde não são simples nem fáceis de discutir.

E menos ainda de solucionar.

Na verdade, os médicos dizem muitas vezes que o importante é tratar doentes e não doenças, o que nunca deixa de ser uma alfinetada, justa e inquestionável, nos que pensam que a medicina é uma ciência exata.

Mas os problemas, na saúde, são assim mesmo, todos iguais, todos diferentes…

Published in Opinião
Tagged under

[caption id="attachment_11851" align="alignnone" width="300"]CernadasRui1 Rui Cernadas - Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.[/caption]

A Comissão Europeia, a OCDE, a DGS e as sociedades científicas portuguesas alertam continuamente para o gravíssimo problema da obesidade infantil em Portugal.

Os números são a cada novo estudo mais assustadores e as implicações para a saúde da população e para as finanças do país no futuro são incalculáveis.

As doenças crónicas e a mortalidade associada vão ser devastadoras.

Por isso, tudo o que se possa fazer para contrariar esse cenário – que é já presente – pode valer a pena.

Mas a ideia que dá o título a esta crónica não é esse exercício, o físico…

Foi apresentado há pouco tempo o “10º Relatório das Doenças Respiratórias em Portugal”, da responsabilidade do Observatório Nacional das Doenças Respiratórias, relativo a 2013.

Há dados que confirmam a tendência verificada em estudos anteriores, como a maior gravidade destas patologias, que nesta altura impõem internamento hospitalar. Essa gravidade corresponde a taxas de mortalidade superiores à da média dos doentes internados em serviços de medicina.

E fala-se de taxas de mortalidade consideráveis, como 6,3% na asma, 9,9% na DPOC e 21% nas pneumonias.

Pese embora o envelhecimento demográfico tão bem conhecido, a verdade é que os dados confirmam que, em 2012, morreram por causas do foro respiratório, 50 indivíduos por dia.

De resto, a DPOC, as pneumonias e os cancros do aparelho respiratório são as três principais causas de admissão hospitalar, ainda que em 2013 só a patologia oncológica tenha registado um aumento nesse indicador. Pesem os números, há uma realidade que sobressai nesta “contabilidade”: em termos absolutos, a doença oncológica deu origem a pouco mais de 6.300 internamentos, a DPOC a mais de 8.200 e as pneumonias a quase 42 mil!

Chegados aqui, surgem-nos de imediato um vasto conjunto de exercícios de análise interessantes de realizar. Desde a invocação dos números relativos à tuberculose e à gripe, ou gripes, para de modo conjugado avaliarmos o impacto pneumológico na mortalidade em Portugal, por exemplo… Ou a discussão sobre as taxas de DPOC em Portugal.

A generalidade dos estudos publicados aponta para taxas de prevalência na casa dos dois dígitos. Porém, nos cuidados de saúde primários, a maior base de dados clínicos do país, os registos a partir dos diagnósticos assumidos estão longe, muito longe, dessa perspectiva.

Na região norte não atinge sequer os 2%.

Dir-se-á que é uma questão de falta de registo… Muito bem. Mas a verdade é que os dados da diabetes ou os da hipertensão, que também são anualmente objeto de relatório por parte do “Observatório”, não obstante serem muito diferentes dos números “públicos”, são confirmados por várias vias.

Dir-me-ão que os indicadores para a diabetes alertaram e consciencializaram os médicos e os enfermeiros para um problema que é de saúde pública… Que seja. Ainda assim este exercício continua a valer a pena…

Acredito que o défice e as dificuldades habituais em sede de promoção da saúde e prevenção da doença, que marcaram anos de estratégias falhadas na educação para a saúde, possam inspirar uma nova estratégia que valorize os ganhos em saúde e permita perceber que, para os obter, há que definir prazos de média e longa duração alicerçados em planos, orçamentos e indicadores de monitorização equivalentes.

Não quero acreditar que a atividade médica e o consequente dever de garantir bons registos clínicos – hoje estreitamente associados à Medicina Familiar que, por definição, se propõe fazer o acompanhamento dos utentes e das suas famílias ao longo de todo o ciclo de vida – se limite ou conforme ao cumprimento de políticas de indicadores. Ou então alguns agoirentos terão mesmo razão…

Published in Opinião
Tagged under
Pág. 7 de 12
O (Des)alento da Medicina Geral e Familiar no Serviço Nacional de Saúde
Editorial | Joana Torres
O (Des)alento da Medicina Geral e Familiar no Serviço Nacional de Saúde

A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.