[caption id="attachment_6762" align="alignnone" width="300"] Rui Cernadas
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A qualidade profissional dos médicos portugueses é a cada dia mais reconhecida internacionalmente.
O número de colegas que deixam o país quer por procura activa de emprego e lugar, quer por honrosos convites (os mais diversos e institucionais, em diferentes idades na vida e na actividade médica e/ou docente, ou da investigação) confirma diariamente essa constatação.
O país caminha, a passos largos, para um cenário de satisfação plena das necessidades em médicos e clínicos, sendo de admitir que, após a correcção em curso de alguma assimetria nas colocações e distribuição regional, o problema recorrente da escassez de médicos fique resolvida.
De idêntico modo, os médicos dos “grandes anos” de entradas nas faculdades de medicina, no início dos anos 70 do século passado, antes mesmo do “25 de Abril”, com contingentes de 600, 700 ou 800 estudantes por faculdade, estão, de forma gradual mas inexorável, a passar à situação de aposentados, ou por idade ou doença, ou desencanto e cansaço ou ainda por inadaptação…
A qualidade do ensino médico pré-graduado é evidente e mesmo nas mais recentes faculdades de medicina, o trabalho desenvolvido tem sido excelente.
De igual modo, a formação nos internatos médicos tem mantido um nível de desempenho e qualidade média muito elevada, logrando até agora acolher e respeitar as necessidades e capacidades formativas, num mapa de idoneidades aqui e ali a acusar as aposentações dos mais velhos.
Mas não nos iludamos, o excesso não favorece a qualidade!
Há aqui e ali sinais e denúncias de uma certa falta de capacidade formativa pós-graduada e conhecem-se casos, possíveis no cenário vigente, de colegas que ingressam em internatos de especialidade sem esforço, sem trabalho e sem dificuldade, com notas negativas e eventualmente até de zero! E não é por ilegalidade ou ilicitude. Tão-somente porque o “sistema” - a tal palavra indefinida tantas vezes utilizada a respeito de tanta coisa - o permite e concede.
Os custos da formação médica de base e de formação de um médico especialista são verdadeiramente elevados e o país precisa de poupar e de cortar, como se ouve sempre, no desperdício.
Há dados claros e confirmados de que Portugal, dentro de 10 anos, por volta de 2025, deverá ter já mais de 8000 médicos desempregados!
Para quê? A quem serve tal situação? O que ganha o SNS com isso? Quanto perderá o país por tal facto? Por isso mesmo a manutenção do quadro de ingressos de alunos nas escolas médicas pré-graduadas, compreendendo a perversidade do regime de financiamento universitário que custeia em função da admissão de estudantes, vai tornar-se rapidamente inadmissível. Para que é preciso licenciar mais médicos do que o país precisa? Com tanto computador e tanto Excel, tantos gestores na saúde, há dúvidas sobre as reais necessidades em recursos humanos?
A discussão do próximo quadro legal dos internatos médicos não deveria passar ao lado dos médicos portugueses.
Num contexto duro e difícil, os médicos portugueses devem manter-se lúcidos. Pensar e reflectir sobre o papel da profissão… E no que todos somos antes de sermos médicos.
É nosso dever, sublinhado de resto no Estatuto da Ordem dos Médicos, um conjunto de procedimentos, de comportamentos e de posturas que, como homens e mulheres, como cidadãos e como clínicos devemos respeitar e defender.
A Saúde tem que ser entendida como um pilar essencial da democracia e do Estado português.
É tempo de dela se falar mais, bem mais e aprofundadamente, do que apenas sobre os “cortes” ou os custos, não embarcando nesse discurso que tomou conta do país e da Europa de que tudo é economia e finanças.
É tempo de se falar igualmente dela, como modelo e exemplo do rigor e da responsabilidade que, em quase todas as restantes actividades escasseia ou mesmo falta!
O sucesso do SNS e o orgulho que os cidadãos nele depositam não foram obra de acaso ou de um qualquer jogo político ou sindical.
Deveram-se ao empenhamento dos seus profissionais e aos investimentos possíveis, no respeito pelo interesse dos portugueses.
[caption id="attachment_6762" align="alignleft" width="300"] Rui Cernadas
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É muito fácil, hoje, discutir as coisas.
O recurso às tecnologias parece ter transformado tudo em números e algoritmos, acessíveis a qualquer hora e em qualquer local, de modo quase gratuito, cómodo e anónimo.
A perda de valores e de princípios morais e éticos virou moda num tempo em que o economicismo tudo justifica e permite.
As discussões deixaram de se centrar na elevação e baseiam-se no negócio, a pronto ou a prazo…
O envelhecimento demográfico parece facilitar as perturbações das memórias. E as outras memórias, contabilizadas em muitos gigabytes, não falam nem contam.
Isto pode parecer despropositado a respeito do Estado Social e ainda por cima, quando a Revolução em Portugal cumpriu quarenta anos.
Um Estado Social que não pode, ainda assim e em boa verdade, manter a dimensão e os contornos que lhe reconhecemos no presente, pela simples e definitiva razão de o país não produzir riqueza que consinta a manutenção do modelo, dos moldes e da extensão.
Mas o Estado Social que hoje pomos em causa com facilidade e argumentos aparentemente abundantes é muito diferente do Estado que tínhamos há quarenta anos atrás, ou há vinte ou até há dez anos…
Já ninguém fala, por exemplo, dos velhinhos “serviços médico-sociais”, nos postos médicos da “Caixa”, das filas de espera madrugada fora por uma consulta de poucos minutos e sem diferenciação técnica nem clínica, das muitas horas passadas em salas de espera abarrotadas para a conquista de uma “vaga”, dos anos – muitos – em inscrição e com paciência sofrida numa lista cirúrgica hospitalar!
Foram todas estas realidades que o país ultrapassou e que a mais recente reforma dos cuidados de saúde primários veio consagrar, desde logo, com a assunção do conceito de um médico de família para cada cidadão e do direito do cidadão ser tratado como um cliente!
As USF são a panaceia?
O modelo está validado?
É justa a existência de sistemas distintos?
Talvez não e o modelo organizativo precisa de ser melhorado, aperfeiçoado e consolidado. Uma reforma não pode esgotar-se em cinco, seis ou sete anos.
Talvez porque, desde logo, não há sistemas realmente distintos.
Há apenas um sistema que aponta e orienta os cuidados primários para USF. Em modelo B ou em modelo A, sendo a parte residual, as chamadas UCSP, elas próprias “contagiadas”, no bom sentido, por um upgrade assistencial visível e notório e que, no limite, as encaminha para a extinção natural; para a migração para o modelo USF, tão logo se resolva o problema legal nas áreas de menor densidade ou agregação populacional.
Os conselhos clínicos, nunca viram regulamentado o direito à remuneração prevista e que sublinharia, minimamente, a importância e o valor das suas funções e responsabilidades.
Os mecanismos de “despromoção” de modelo B, para modelo A, nunca foi definido, salvo as situações de excepção previstas.
Mas os ganhos em saúde foram e são claros, primeiro pela redução significativa do número de cidadãos portugueses sem médico de família. Depois, pela melhoria das condições de garantia de atendimento clínico imediato, pelo reforço em equipamentos e instalações mais adequadas e compatíveis, pela contratualização e aplicação de indicadores, pela consolidação da utilização e desenvolvimento dos sistemas de informação e dos registos clínicos, pela elevação dos índices de cobertura vacinal, de cobertura dos grupos vulneráveis de risco e da implementação de programas fundamentais em saúde pública!
É certo que os tempos mudaram. E mudaram mesmo.
Mas as análises, os estudos e as avaliações devem ser conduzidas com conhecimento abrangente, com tecnologias de apoio replicáveis, com utilização de vectores ligados aos profissionais, aos utentes, às comunidades e aos outcomes de saúde, aos resultados dos contratos-programa, às circunstâncias de implantação e consolidação, à monitorização das práticas clínicas e gestionárias.
Não se trata duma questão jurídica.
É uma questão de gestão clínica e de política.
Mas tem que ser, antes de mais, uma questão de estratégia programática para o Governo de Portugal.
[caption id="attachment_6762" align="alignnone" width="300"] Rui Cernadas
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Li que “ajudar o Estado e a sociedade a gastar melhor” é o lema, em termos de visão, do Tribunal de Contas. E meditei no estado (condição) e no Estado (político) que nos levou a ter de ir, de boné na mão, bater à porta dos estrangeiros à cata de dinheiro para nos desenrascar…
Sei que para a maioria, teria sido uma tarefa ciclópica e porventura impossível, ao jeito de qualquer grande produção Hollywoodesca, impedir que o país tivesse chegado ao estado financeiro e social a que chegou! Pois bem, pese o ir contra à corrente, continuo a pensar que com algumas ajudas teria sido possível. Isto se tivessem sido outras as opções.
Se por exemplo tivéssemos optado por “ajudar o Estado e a sociedade a investir melhor”, talvez pudéssemos alimentar, hoje, outras ilusões!
Neste particular, um estudo ou auditoria que envolva desempenho, em matéria de organização e de dispensa de cuidados de saúde ganha maior acuidade, sendo que a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico (OCDE) deixam claro o sentido de investimento em saúde como via para os ganhos correspondentes.
Tudo é expectável e tudo se compreende desde que se conheçam os objectivos subjacentes aos actos e aos procedimentos.
É como nos pareceres. Tudo depende do que se pretende.
A começar pela composição das equipas de projecto. Convém que sejam abrangentes do ponto de vista de formação e experiência técnicas para o fim em vista.
Outro ponto importante respeita ao grau e amplitude de conhecimento sobre a situação anterior, nomeadamente quanto à resposta existente. Em relação aos cuidados de saúde primários, ignorar a satisfação da tal sociedade e perceber a capacidade de resposta obtida, ou não, anteriormente, é fundamental para avaliar a evolução dos últimos sete, oito ou dez anos.
Seria melhor…. não recordar o triste espectáculo de filas com dezenas de pessoas, doentes, ao relento desde madrugada à espera de uma vaga numa consulta?
Ignorar o avanço na dignidade conseguida com a marcação de horário para o atendimento na enfermagem ou no médico? Não é exactamente o que se assiste nos tribunais, onde todas as testemunhas, arguidos, advogados e restantes participantes são todos convocados para a mesma hora, sem imaginarem sequer a sua vez ou a hora em que serão dispensados, para voltar um ou dois meses depois para a mesma cena…
Há um outro facto de implicação evolutiva positiva no novo modelo organizativo dos nossos cuidados de saúde primários. Que aliás confirma, na tradição popular, o dito de que, “santos da casa não fazem milagres”!
Refiro-me ao que parece expresso nas “Medidas do Memorando de Entendimento para os Cuidados de Saúde Primários”. Logo em Maio ou Junho de 2011, quando a troika propôs ao país e ao governo o “aumento do número de USF com particular enfoque no modelo B”, naturalmente que o fez como sequência lógica da validação do disposto no Decreto-Lei nº 298/2007 de 22 de Agosto que as havia criado e estabelecido o respectivo regime jurídico de organização e funcionamento.
Julgo evidente que a troika entendeu, ao contrário de alguns por cá, antes e agora, que o cerne da reforma dos cuidados primários radica na feição competitiva do modelo B, pela via dos indicadores e dos resultados, não sendo obrigatório como escalada dos modelos A, aos quais, de resto, a opção livre por permanecer nesse modelo é praticada em várias unidades, não obstante as condições verificadas para uma possível “promoção”.
É este modelo competitivo que fez a virtude do sistema, até pelo efeito de contágio no sentido positivo e do melhor desempenho das UCSP que, por arrastamento natural e de simpatia, se envolveram num esforço sem paralelo protagonizado pelos seus profissionais e equipas. Sem que isto traduza, porque não traduz, uma semelhança grande e absoluta ao nível da comparação dos resultados medidos e obtidos entre as UCSP e as USF.
Concedo e já o tenho escrito e publicado que, no entanto, reconheço que falta a definição duma linha de justiça que defenda as condições de passagem de B para A, ou se preferirem, das despromoção das USF em função, não das circunstâncias extremas hoje consagradas legalmente, mas pela via dos menos bons resultados ou outras condições a definir e naturalmente com prejuízo na contratualização interna e repercussão na contratualização externa!
Como igualmente repito nesta oportunidade uma outra ideia essencial para os próprios cuidados primários: a manutenção do racional de pagamento de incentivos financeiros às USF não faz sentido, nem deveria implicar a liquidação respectiva, desde que os incentivos institucionais não tivessem sido obtidos e garantidos nas USF em análise e avaliação!
De igual modo, o ganho assistencial em matéria de atribuição de médico de família é uma nota puramente matemática, estando demonstrado, à saciedade, que as USF iniciaram No norte a sua actividade com um ganho, à partida, na ordem dos 150 a 250 utentes por médico envolvido!
Sei que os tempos de crise são sempre tempos de oportunidade.
Mas às vezes, estou certo, nada assegura que as oportunidades sejam boas e muito menos bem conseguidas…
[caption id="attachment_6762" align="alignnone" width="300"] Rui Cernadas
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O país, o nosso Portugal, parece um puzzle intrincado e complexo no qual convivem vários países, várias raças, várias sensibilidades e outras tantas divindades.
Ora, apesar da regionalização não ter sido a aposta dos cidadãos que a 8 de Novembro de 1998 foram às urnas, a verdade é que o país é cada vez mais assimétrico e heterogéneo.
As regiões apresentam, em todos os capítulos que se queiram considerar, diferenças brutais, todas elas com significado estatístico.
A decisão material não engana e há regiões, como o Norte ou o Algarve, com grandes necessidades sob o ponto de vista de pessoal médico, por exemplo.
Mas há que atentar, seguramente, ao que não vai bem e reconhecer que alguns cálculos apresentados são, no mínimo, controversos. Veja-se o caso do Alentejo e do Nordeste Transmontano, cujo tratamento foi, no passado, claramente desigual…
De facto, ninguém discute o entendimento relativo ao esforço que, para a solidariedade nacional e o caminho da equidade, alguns farão por outros.
Mas estamos em tempos de recuperação e revivalismo e as fábulas vêm a talhe de foice, como a história da cigarra e da formiga…
O Norte não pode continuar a fazer o sacrifício e a suportar o custo de investimento na formação, dispendiosa e que tem obrigado a quase “mendigar” por orientadores interessados e disponíveis, de internos de especialidade que, depois, mesmo com prejuízo do planeamento regional nortenho são “levados” para outros pontos do país.
E não pode porque isso coloca em jogo os próprios resultados e níveis de eficiência dos serviços e instituições.
Mas há uma questão importante que volta e meia parece esquecida.
Sobretudo no campo das especialidades hospitalares, muitos dos concursos nos últimos anos, por exemplo o da 2ª época de 2010, os das duas épocas de 2011 ou o da 1ª de 2012, não conduziram a mais do que 33% de colocações.
Simultaneamente, o sistema é ainda mais complicado porque muitos dos candidatos acabam por recorrer a impugnações, algumas das quais, nos concursos seguintes.
Ou seja, há claramente um défice de eficácia que não incentiva a formação institucional e prejudica as entidades formadoras, sem que se garanta ou assegure a fixação dos novos médicos onde são verdadeiramente necessários e desejados.
A responsabilização por uma estratégia coerente de formação é indispensável. E deve ser valorizada.
As instituições formadoras devem ser compensadas pelo esforço de preparação, treino e formação que realizaram, o que até no futebol, sempre invocado, já se aplica a propósito das transferências dos jovens jogadores…
A opção por este rumo teria ainda a vantagem de, como nas taxas moderadoras, “moderar” a vontade de pedir vagas e recursos, quer dentro, quer fora das regiões e, ainda, contribuir para a adopção de estratégias locais e/ou regionais de formação.
Há que compreender e atentar também a previsão das saídas por aposentação, quer por idade, quer por iniciativa ou doença dos profissionais.
Com efeito, este problema, bem actual, tem ainda um segundo impacto que não deve ser ignorado: a forte redução de profissionais mais velhos e mais experientes, naturalmente mais ligados e aptos ao processo formativo e à tutorização dos mais jovens que, em serviços hospitalares e nos cuidados de saúde primários, se está a verificar. Acredito que em muitos casos a questão das idoneidades formativas já se coloque, o que é muito preocupante.
É por isso que soluções como a da alteração profunda no modelo de recrutamento, designadamente do pessoal médico, são fundamentais e prioritárias.
Uma proposta de trabalho construtiva seria a da negociação das ARS com os seus hospitais e estruturas de CSP de contratos-programa que, indexados aos níveis e linhas de produção, apontassem as previsões e necessidades de recursos humanos, em especial dos seus médicos.
Um modelo deste tipo comprometeria e valorizaria a gestão, adequaria a oferta à procura, autocontrolar-se-ia e ajustaria a liberdade de concorrer ao respeito pelos interesses das instituições e dos profissionais.
Só tem um “se”… é precisa vontade política.
[caption id="attachment_6762" align="alignnone" width="300"] Rui Cernadas
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O grande e rápido progresso das chamadas ciências médicas em áreas como a da genética molecular ou das neurociências, o uso de nanotecnologias e o despontar dos inovadores agentes terapêuticos biológicos, a par dos avanços nas tecnologias de informação e imagem, foi tão espectacular quanto a mudança ainda mais rápida, talvez num decénio, do enquadramento da profissão médica!
O tema poderia levar-me a discussão acalorada mas não é esse, desta vez, o meu intuito e inspiração.
Acabei de ler um artigo americano que falava de problemas éticos criados pela profunda transformação dos contornos e dos limites da própria decisão médica.
E da sua relação com parte da questão introdutória, isto é, do tremendo aumento das capacidades técnicas e de diagnóstico na Medicina, sem esquecer a necessidade e vantagens das relações interdisciplinares entre os médicos e os outros profissionais especializados da saúde, incluindo bio-engenheiros, farmacêuticos e gestores de níveis diversos…
Estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam que as doenças crónicas não transmissíveis são responsáveis por quase 60% de todas as mortes ocorridas no mundo e por 50% da carga global de doença, constituindo um sério problema de saúde pública e de finanças.
Oferecer uma proposta global de assistência diferenciada aos pacientes portadores de doenças crónicas não transmissíveis – hipertensão, diabetes, asma, DPOC ou outras – e que alerte, eduque e corrija os seus factores de risco, como o tabagismo, a obesidade ou o sedentarismo, com monitorização, follow-up e avaliação dos casos, deveria ser um novo paradigma para uma gestão integrada das patologias crónicas.
Os resultados seriam evidentes, com impacto num maior controlo das agudizações e complicações, promoção do autocuidado e da qualidade de vida, redução das admissões hospitalares e do absentismo.
Na verdade, temos todos a noção clara de que os sucessivos internamentos por doenças crónicas apenas traduzem uma menor atenção ou investimento nos cuidados primários. O diagnóstico mais precoce, uma atitude terapêutica mais agressiva e menos condescendente ou um seguimento mais apertado, podem fazer uma enorme diferença.
Mas a função dos cuidados de saúde primários não se esgota aqui. A contribuição para uma redução efectiva dos internamentos evitáveis incluirá a acessibilidade, a capacidade de coordenação e gestão do doente no seu todo e para além do nível de intervenção hospitalar, o controlo da adesão ao tratamento ou a continuidade dos cuidados.
Há naturalmente e nesta altura problemas novos e complexos.
O envelhecimento demográfico, condicionando um novo e muito preocupante cenário.
Mas os fenómenos migratórios ou as alterações climatéricas, por exemplo, são relevantes, como o será o panorama de constrangimento financeiro à escala mundial.
O respeito e a consideração das diversidades étnicas ou raciais, culturais, sociais e religiosas sedimentam formas e ferramentas de intervenção distintas, mantendo em atenção diferentes necessidades de saúde das respectivas populações, com riscos e vulnerabilidades específicas.
Parece-me indispensável, na gestão das doenças crónicas, proceder à estratificação, sem alienar o dever de avaliar a severidade clínica e a capacidade de autocuidado do doente.
As pessoas com condições crónicas, com ou sem factores de risco associados e os seus familiares ou cuidadores, convivem com os seus problemas diariamente por longo tempo ou mesmo por toda a vida. É essencial, assim, que estejam muito bem informadas e motivadas para lidar com elas e adequadamente capacitadas para desempenharem correctamente os seus papéis.
Pode-se desenvolver o autocuidado apoiado de várias formas: individualmente ou em grupos, em consultas colectivas ou de equipas, à distância, por telefone e/ou por meio da Internet, por inserção em grupos de doentes ou associações de doenças.
Segundo a OMS, o autocuidado apoiado e orientado poderá incluir no procedimento global outros pacientes mais experientes, conhecedores e familiarizados com o problema para, a partir das suas experiências, apoiar de formas variadas o autocuidado a outros pacientes (peer education). O acesso a novas tecnologias e sistemas de informação, transmissão e armazenamento de dados, torna o futuro multidimensional e inexcedível.
E o futuro está aí.
Para o bem e para o mal.
[caption id="attachment_6762" align="alignleft" width="300"] Rui Cernadas
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Os países não se distinguem só pelas bandeiras e pelos hinos.
Distinguem-se pelos seus povos e pela sua história, pela sua cultura e pela força das suas convicções, quantas vezes sobreviventes de guerras e holocaustos.
Marcas que fazem de cada um deles um país diferente e singelo, com características e particularidades que, ou invejamos e pretendemos imitar, ou menosprezamos convencidos de que somos melhores.
Na verdade, se existe uma organização – entre muitas convenhamos – que agrupa todos os países e estados é porque a sua variedade justifica o lema de todos diferentes, todos iguais, ainda que, até a esse nível se perceba como isso é bem mais teoria e aspiração do que prática e realidade.
Como na vida, nem quem nasce e quando nasce é realmente igual, não fosse o peso determinante da genética e do seu poder de moldar destinos e existências.
O país tem ouvido falar nas últimas semanas de investigação e investigadores.
Por um lado, porque se acumulam prémios e notícias sobre feitos extraordinários associados a cientistas ou grupos de investigadores portugueses, quer por obra produzida em Portugal, quer em centros internacionais que, a todos enchem de orgulho e honra.
Por outro, porque numa onda de constrangimento económico e financeiro, talvez até mais de constrangimento social e conceptual, se assiste ao problema da falta de recursos para atribuição de bolsas e programas financeiros de apoio e materialização de projectos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico e científico.
Para Portugal e para os portugueses a questão nada tem de nova, sendo transversal nos últimos anos ao sacrifício generalizado das actividades e das pessoas.
Mas a realidade é que o problema do investimento financeiro dos estados na investigação e na ciência, como na educação, obriga a reflexão serena, alargada e abrangente.
Em termos globais, poucos acreditarão que um país que invista menos em ciência e educação possa obter melhores dividendos do que outro que siga uma política inversa.
Mas onde está a razão e por onde passa a verificação dos resultados?
O lema da ciência a sério é exactamente o de observar, de raciocinar e de experimentar na procura de novas verdades e de novos desafios, não de se resignar e voltar para trás.
A ciência, como a educação, precisa de ser articulada com o mundo e com a prática, procurando materializar o aproveitamento das suas descobertas e conclusões dum mundo académico e de pensamento, para uma realidade prática e social, capaz de trazer conhecimento, desenvolvimento e consequências.
Esta relação estreita e permanente entre a investigação e a educação com a vida das populações e dos países será determinante para a consciencialização da importância das primeiras para a vida dos cidadãos, bem como para o reconhecimento dos custos dos investimentos e orçamentos dedicados e empenhados no apoio aos cientistas e investigadores.
O mesmo se diga e passa com os educadores e a educação.
Há que garantir a relação prática entre as coisas.
Alguém admite ou concebe que se possa ensinar alguém a nadar só através de aulas teóricas ou mesmo por intermédio apenas de simuladores ou programas informáticos?
É por isso que a educação carece de objectivos estratégicos que a liguem ao quotidiano das pessoas e das sociedades.
E é por isso, também, que a ciência precisa de se aproximar da educação.
Não existe ciência sem a praticar!
E o país, como todos os países, sabe e sente que os seus dinheiros públicos se lhes escapam como água entre os dedos das duas mãos, sabe e conhece os modos como desaparecem em muitos pontos e sectores da vida e da gestão pública e sente-se no direito de conhecer o que os seus investigadores, bolseiros e universitários pesquisam, publicam, investigam e aplicam…
Lembro-me de Agostinho da Silva e alguns dos seus versos:
“…
Se a nação analfabeta
derrubou filosofia
e no jeito aristotélico
o que certo parecia
deixem-na ser o que seja
em todo o tempo futuro
talvez encontre sozinha
o mais além que procuro.”
[caption id="attachment_6762" align="alignleft" width="300"] Rui Cernadas
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A linha estratégica no SNS, quanto aos cuidados primários, está traçada. Garantir o rejuvenescimento dos quadros médicos e plena integração e continuidade, seja pela via das aposentações dos mais velhos, seja pela do ingresso de centenas de jovens especialistas na Medicina Geral e Familiar.
Avançar na promoção de uma contratualização séria e fundamentada cientificamente no sentido do acentuar da governação clínica e da melhoria do nível de cuidados dispensados e da prática clínica oferecida aos cidadãos. E fazer chegar a contratualização a todas as diferentes unidades funcionais dos ACES.
Concentrar os recursos humanos nas unidades funcionais, organizar e disponibilizar as consultas programadas, actualizar os ficheiros de utentes e reduzir o número destes sem médico de família, avançar no modelo organizativo das USF, valorizar o trabalho de intersubstituição, acabar com os SAP e outros com o mesmo fundamento, criados em momentos que nada tem a ver com o estadiamento actual dos serviços.
Neste sentido, qualquer exercício de reflexão ou reorganização do modelo e oferta hospitalares, vai implicar um estudo sério e competente, que impeça ou aponte para a criação de consultas abertas ao longo das 24 horas.
Até porque, por definição, os SAP não são – nem integram de facto – a rede de urgências. E os SUB, por definição de base e conceito de funcionamento, não devem permanecer ligados aos cuidados primários.
É evidente que, sabemos todos, embora só alguns tenham essa responsabilidade, foram investidos milhões de euros em obras recentes de requalificação de diversos serviços de urgência hospitalares e/ou em investimentos em equipamentos tecnológicos.
Mas isso significa apenas que tem havido falta de estratégia no sentido temporal e da coerência que estas coisas deveriam implicar, realmente.
Para além do desvario, para não dizer pior, do escandaloso quadro de materiais e recursos adquiridos, alguns há anos, e ainda embalados e sem sequer terem sido experimentados antes da caducidade das garantias!
Falando-se repetidamente na articulação dos cuidados e na relação entre níveis de cuidados, esquecemos demasiadamente os passos anteriores e iniciais do processo assistencial.
A questão das designações, por exemplo, está longe de ser apenas uma questão de semântica. Até porque a ela se vão ligar, depois, toda uma série de contornos técnicos, administrativos, profissionais, jurídicos e legais, aos quais acrescem sempre as áreas de pressão dos autarcas e forças partidárias.
Na verdade, ouço e sinto bem a tentativa de influência ou de condicionamento das autarquias, juntas de freguesia e de câmaras municipais, relativamente à reorganização ou à reestruturação dos serviços e da rede assistencial. A ideia ou princípio geral é claro, nunca querer mexer em nada, mantendo os atrasos ou défices que nos trouxeram até aqui…
Mas, pior do que isso, é a valente descaradez ou falta de rigor que, em vários casos de resto bem públicos e evocáveis, leva ilustres eleitos pelo povo para mandatos autárquicos a entenderem em privado e como cidadãos as razões e as fundamentações para muitas daquelas decisões – autenticamente estratégicas em muitos casos – mas, como eleitos pelo povo a defenderem o contrário ou o discurso do populismo demagógico ou bacoco.
A reforma dos cuidados de saúde primários foi, a esse nível, uma pedrada no charco.
Desde logo, porque o diploma legal que veio instituir os ACES e dar-lhes suporte legal, organização e competências, compreendeu o binómio serviços de saúde e sociedade civil, prevendo e criando os conselhos da comunidade e incluindo, na sua composição, as representações das câmaras municipais envolvidas em cada ACES.
E é exactamente aí, no conselho da comunidade, que caberá e se deverá confinar a discussão das propostas organizativas, sejam pontuais ou avulsas, ou verdadeiramente estratégicas ou estruturais para o SNS!
É por isso que importa incentivar os corpos dirigentes dos ACES a instarem os seus pares, na sociedade em que se integrem, à designação, constituição e funcionamento pleno dos conselhos da comunidade.
O compromisso de todos, quando discutido e planeado em conjunto, responsabiliza mais, mas sobretudo responsabiliza melhor!
[caption id="attachment_6762" align="alignleft" width="300"] Rui Cernadas
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Sendo certo que, à ideia de inovação em saúde, se associa sempre a noção concreta de que é essencial à melhoria do estado de saúde das pessoas e das populações, o tema serve perfeitamente de chamada imediata de atenção e torna-se fascinante.
Mas estamos longe de encontrar, mesmo que apenas conceptualmente, uma unanimidade no entendimento preciso sobre o que é a inovação em saúde.
A inovação em saúde assume-se, como por regra, ligada a novas técnicas, tecnologias, sistemas de informação ou até procedimentos.
Apesar de na verdade ser uma expressão que até nem se esgota ou confina nesses aspectos, a inovação implica reflexão, maturação, criatividade e articulação ou interacção, entre pessoas, entre unidades funcionais, entre instituições…
Devendo ser compreendida e se calhar até desejada, como dinâmica e estimulante, constitui-se como um lema vulgarmente usado em discurso, mas episodicamente demonstrada na prática.
Os Cuidados de Saúde Primários são, em Portugal, uma área que fervilha de ideias e de ideais, de problemas e de energia, mas a sua operacionalização e vocação assistencial, cuja elevação do nível médio de percepção pelos cidadãos é inequívoca, precisa de consolidar e de assegurar a inovação em saúde de que falamos.
Desde logo, comprometendo as USF em equipas, real e generalizadamente equipas multiprofissionais, vocacionadas para fora de si próprias, atentas ao que as rodeia, seja no meio em que se inserem, seja na articulação indispensável com as outras unidades, qualquer que seja o seu nível e diferenciação, do SNS, mas igualmente com a comunidade, através de associações de doentes, envolvimento de liga de amigos, instituições de ensino universitário, autarquias.
Para aproveitar este ambiente de alargamento transversal, inovador em saúde, compreende-se a necessidade de mais, muito mais e mais elaborada, informação e maior iniciativa, para a promoção e protecção da saúde, capaz de racionalizar a melhor utilização dos serviços.
Compete localmente e esse foi o propósito da criação dos ACES, um espírito de abertura e constante iniciativa, propiciador de até, pela consideração que os cidadãos têm em regra pelos serviços e profissionais de saúde, um trabalho em rede na área do conhecimento e da cultura de prevenção.
A gestão da informação e do conhecimento deve ser primordial nas organizações e na saúde em particular.
Mas refiro-me à boa gestão!
É impensável aceitar que, os profissionais sejam surpreendidos pelos seus utentes com notícias e informação que já são públicas!
É inaceitável que profissionais de saúde, dum serviço público como o SNS, desconheçam ou ignorem normas, procedimentos ou orientações que, bem ou mal, são dimanadas de serviços centrais ou periféricos, e que ganham teias de aranha sem que sejam lidas em suporte de papel ou digital.
O dever de informação é, nestes casos, prévio ao direito.
Não acredito que se possa falar em inovação sem informação.
Nem creio que a inovação em saúde possa ser desenvolvida, enquanto política sistemática, sem profissionais bem treinados e informados.
Nem julgo que a inovação, em saúde, deva ser uma raridade reservada a sobredotados ou a excepcionais.
Porque havemos de falar em governação clínica ou até em ganhos de saúde, enquanto objectivos instrumentais centrais na prestação de cuidados, se no plano da filosofia organizacional não fomos capazes de pôr os profissionais interessados na sua informação e participação em rede!
Porque havemos de discutir tantas questões, que vão desde a definição e caracterização de indicadores, à contratualização, à reivindicação de remunerações, à falta de investimento, aos sistemas de informação ou de incompreensões institucionais, quando uma coisa básica e fundamental como o orgulho em se ser um bom profissional ignora ou esquece o dever de informação, sem o qual não pode haver qualquer inovação em saúde!
Se os cidadãos e utentes do SNS, nessa qualidade, se mostram especialmente atentos à saúde, ao que esta enquanto, até, direito constitucional, pode representar para o desenvolvimento individual, familiar e social, não poderemos como profissionais de saúde e do sistema demitirmo-nos desse dever e direito.
Um dos vectores para a governação clínica bem-sucedida, deve implementar e convidar à interacção social, capacitação e responsabilização individual, capaz de assegurar a promoção duma literacia adequada em saúde e transparência na prática.
A saúde que é vista como um recurso, não pode por isso, nem deve por isso ser um recurso desperdiçado em tempos de tão poucos…
A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.