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Cláudia Marques | claudiamarques@jornalmedico.pt ENTREVISTA | Jornal Médico
que significa que os jovens que entram agora Definidos
nos cursos de Medicina em Portugal podem
não vir a ter acesso à especialidade. e apresentados
Nós não queremos formar médicos assim- publicamente
-assim, queremos formar bons médicos os tempos mínimos
porque isso é a nossa imagem de marca, en-
quanto país que sempre teve formação de de consulta, estes
qualidade. Estudos nacionais mostram que passarão a constituir-
não é preciso formar mais de 1.200 médicos/
ano. Só as escolas médicas portuguesas, no -se como boas
seu conjunto, lançam para internato do ano práticas e a ter
comum 1.800/ano. E depois ainda há os que
vêm de fora realizar o exame de acesso à es- que ser cumpridos
pecialidade a Portugal. nos serviços públicos
e privados
JM | Essa é uma das razões para não ver
com bons olhos a criação de novos cursos
de Medicina em Portugal?
MG | Portugal não precisa de novos cursos
de Medicina. Estamos no limite da nossa ca-
pacidade formativa. Poderíamos aumentar
a formação de especialistas se melhorásse-
mos as condições formativas nas unidades
de saúde, nomeadamente nos hospitais e
se fosse corrigida a deficiência em capital
humano que neste momento existe no SNS.
Neste momento, o mercado – público e pri-
vado – para formar estudantes de Medicina, APOIOS DA IF A AÇÕES CIENTÍFICAS
em termos de unidades de saúde, está com- NO SNS VÃO REGRESSAR…
pletamente saturado. COM VALIDAÇÃO DA OM
JM | Exclusividade (dos médicos no SNS). O Decreto-Lei (DL) n.º 5/2017, que impede o patrocínio
Sim ou não? da indústria farmacêutica e de dispositivos médicos
MG | Sempre defendi que a dedicação ex-
clusiva deveria ser opcional. Como acon- às ações científicas realizadas em unidades, serviços
tecia na Carreira Médica, quando o Decre- e organismos do Serviço Nacional de Saúde (SNS),
to-Lei era o n.º 73/90, ao abrigo do qual, o parece ter fim à vista.
médico, se assim quisesse, poderia optar por Em declarações exclusivas ao Jornal Médico, Miguel
trabalhar em dedicação exclusiva. Guimarães – que nunca escondeu a sua preocupação
A meu ver, a tutela não está interessada com as limitações e consequências decorrentes da
cialidade e isto é um problema desde logo nisto, uma vez que a dedicação exclusiva entrada em vigor do referido DL, publicado a 6 de
para os médicos, mas também para as suas exige uma remuneração em conformidade. janeiro em Diário da República –, anunciou “estar a
famílias, que investiram muito financeira e Poderia ser interessante, mais que não fos- negociar com o Sr. Ministro da Saúde a possibilidade
emocionalmente e acabam por ter as suas se para colocar um ponto final no mito das de alterar, através de despacho, este DL que impede o
expetativas defraudadas. querelas entre setor público e privado e de apoio da IF à formação e investigação clínicas”.
Há dois anos houve 114 médicos que não que os médicos fazem duas medicinas. Se No entender do bastonário, esta proibição contempla
entraram na especialidade, no ano passado os médicos trabalham em dois locais é por
foram cerca de 200 e este ano calcula-se que necessidade. Se pudessem trabalhar só num “importantes limitações à formação dos médicos”,
sejam cerca de 300. sítio, sendo devidamente remunerados, de que vão desde a organização de congressos, jornadas
certeza que iriam preferir essa opção. e cursos de formação, até à vinda a Portugal de
JM | Como é que a ordem encara esta si- cirurgiões com o intuito de realizarem cirurgias de
tuação dos médicos sem especialidade e JM | Fez do burnout dos profissionais demonstração de técnicas inovadoras.
em que é que o numerus clausus contri- uma bandeira da sua candidatura. Quão Ao nosso jornal, o representante dos médicos avançou
bui para este cenário? grande é este iceberg e como se propõe a que as negociações com a tutela no sentido de alterar
MG | Há anos que a OM anda a alertar para OM a combater este flagelo? este DL “estão já muito avançadas”. De acordo com
esta situação e a defender que a questão dos MG | É um enorme problema, sendo que à o bastonário, “há um documento a ser elaborado
numerus clausus em Portugal tem que ser re- OM cabe, para já, a tarefa de ajudar e apoiar conjuntamente com o Infarmed que vai permitir que
vista, uma vez que a capacidade formativa estes médicos. se continue a fazer formação apoiada por laboratórios
das escolas médicas neste momento em Por- O estudo que a OM levou a cabo – e que nos hospitais do SNS, sendo a validade científica das
tugal está claramente ultrapassada. É preciso constitui uma das principais análises sobre
não esquecer que ainda há os jovens que se este tema a nível europeu, com uma amos- ações de formação definida pela OM.
formam fora do país (essencialmente na Re- tra de milhares de médicos – teve resultados Miguel Guimarães congratula-se com o novo papel
pública Checa e em Santiago de Compostela) preocupantes, com 66% das pessoas inquiri- da OM como “garante da qualidade formativa das
e que regressam para realizar o exame de das a referir sofrer de pelo menos uma das ações de formação em todas as unidades de saúde do
acesso à especialidade em Portugal. O contin- manifestações da síndrome de burnout. SNS”, uma das suas primeiras “conquistas” enquanto
gente de jovens a fazer exame de acesso à es- Estas conclusões mostram-nos que alguma bastonário da OM.
pecialidade em Portugal é cada vez maior, o coisa não está bem no SNS e nas condições
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Abril 2017