Page 11 - JM n.º 75
P. 11
Cláudia Marques | claudiamarques@jornalmedico.pt ENTREVISTA | Jornal Médico
têm levantado nos últimos meses. Acho A meu ver, é Igualmente importante é perceber quantos
que o ministro da Saúde está em condi- países têm eutanásia descriminalizada no
ções de evitar esta greve, mas terá depois prematuro falar mundo, porque muito provavelmente os
que concretizar algumas das exigências de eutanásia… portugueses acham que este número é ele-
que são feitas. O que é pedido nem sequer As matérias vado – quando na realidade são muito pou-
é para os médicos… É essencialmente em cos – e que Portugal é um país atrasado por
prol dos doentes. relacionadas com não ter. Para além disso, importa analisar
Não me lembro de alguma vez os sindicatos o fim de vida que com cuidado essas experiências.
terem exigido uma negociação daquilo que Reconheço que as pessoas têm direito a
são as remunerações base dos médicos nos todos deveríamos morrer, mas é muito discutível, do ponto de
anos recentes. Quando se ouve falar de paga- estar a discutir vista ético e jurídico, o direito de se pedir a
mento de horas extraordinárias, trata-se da atualmente alguém que nos ajude a morrer, seja essa
reposição do pagamento das horas extraor- pessoa médico ou não. E deixo uma questão:
dinárias a 100%, de uma forma faseada. O na sociedade porque têm que ser os médicos a praticar a
ministro já anunciou a reposição deste valor portuguesa deveriam eutanásia? É bom que se diga que a eutaná-
a 75%, em abril, e a 100% até dezembro, pelo sia não é um ato médico. Porque é que são
que acredito que haja condições para esta ser o consentimento os médicos a entrar nesta equação, caso ela
greve não ir para a frente. informado, a acesso seja despenalizada?
JM | Falemos da tão polémica questão da a cuidados paliativos Impõe-se, ainda, olhar com atenção para o
documento que deu início a esta discussão
morte medicamente assistida… Estão o e o combate em praça pública, assinado por colegas
Miguel Guimarães-bastonário dos médi- à distanásia de profissão e amigos que muito prezo e
cos, o Miguel Guimarães-médico e o Mi- respeito, como o professor Manuel Sobri-
guel Guimarães-indivíduo alinhados em nho Simões, Júlio Machado Vaz e Álvaro
torno da questão da eutanásia? Beleza. Este documento não apresentava
MG | É difícil separar essas três dimensões qualquer tipo de critério ou limite para a
do Miguel Guimarães. Porque, neste caso, o eutanásia… Em lado nenhum se lia que a
cidadão também é médico e, por isso, deve pessoa teria que estar em situação de fim
ter um cuidado acrescido quando fala publi- de vida para recorrer à eutanásia. Con-
camente relativamente a questões médicas. gratulo-me que as propostas apresentadas
Para além disso, também não posso despir o agora na AR já apresentem critérios mais
fato de bastonário, ainda que a opinião que definidos e limitando esta prática a situa-
tenho veiculado sobre este assunto seja a ções muito particulares.
minha opinião, uma vez que a OM não tem
(nem tem que ter) uma posição oficial sobre JM | Qual tem sido a posição da OM relati-
este assunto… vamente à morte medicamente assistida?
A questão da eutanásia não é fácil de abor- MG | Os médicos são de certeza das pessoas
dar e, a meu ver, é uma discussão prema- mais informadas sobre questões de fim de
tura na nossa sociedade. Sobretudo quando vida e isso é indiscutível. A OM tem promo-
conceitos éticos essenciais à prática médica, vido alguns debates sobre esta temática e
como o consentimento informado, ainda vamos continuar a informar. Realizar um
permanecem desconhecidos da maioria das referendo interno sobre morte medicamen-
pessoas (inclusive de alguns parlamentares referi, podendo inclusivamente agravar a te assistida não está nos nossos planos.
que nos representam). confusão e desconhecimento em torno des- É preciso recordar que, mesmo que a eu-
Outro aspeto que me parece relevante nesta tes temas cruciais. tanásia seja despenalizada, o nosso código
discussão é o facto de, atualmente, apenas Seja como for, o Parlamento – que, obvia- deontológico mantém-se. Se amanhã a AR
10% da população portuguesa ter acesso a mente tem legitimidade para legislar – pode aprovar a despenalização da eutanásia, o
cuidados paliativos. No meu entender, só de- amanhã propor legislação sobre eutanásia… código penal terá obrigatoriamente que mu-
pois de se alargar a acessibilidade a este tipo Mas, na minha opinião, estão a ser precipi- dar, mas o código ético e deontológico dos
de cuidados faz sentido discutir a eutanásia. tados e não deveriam fazê-lo. médicos não. A eutanásia continuará a ser
A distanásia é outra questão que não está su- É uma matéria extremamente fraturante proibida pelo código deontológico, o que
ficientemente debatida e para a qual impor- e como tal deveria ter sido integrada nos passa é a ser despenalizada. O princípio
ta sensibilizar médicos e população em geral. programas eleitorais. Porém, nenhum pro- ético mantém-se, mas deixa de se colocar a
Nesse sentido, a OM vai promover uma cam- grama eleitoral dos principais partidos po- questão da penalização do médico.
panha feroz de combate à distanásia. líticos representados na Assembleia da Re-
Posto isto, defendo que as matérias rela- pública (AR), que eu me lembre, falava em JM | É neste ponto que se coloca a questão
cionadas com o fim de vida que todos de- questões de fim de vida, eutanásia ou morte do objetor de consciência?
veríamos estar a discutir atualmente na medicamente assistida. MG | Isso é obrigatório, a própria legislação
sociedade portuguesa deveriam ser o con- tem que prever isso. Em questões de vida ou
sentimento informado, a acesso a cuidados JM | Como encara a realização de um re- morte, o médico tem sempre que ter a possi-
paliativos e o combate à distanásia. ferendo sobre eutanásia? bilidade de ser objetor de consciência.
MG | Acho que, a este respeito, a interven-
JM | Considera então prematuro um de- ção da população poderia ser importante. JM | Para terminar, quer ser lembrado
bate sobre morte medicamente assistida No entanto, esta intervenção teria que ser como o bastonário que…
em Portugal? feita com base numa informação e num de- MG | Quero ser lembrado como o basto-
MG | É o que tenho vindo a dizer. É prema- bate muito alargado, pelo menos durante nário que conseguiu dar à relação médico-
turo e não acrescenta nada às matérias que um ano ou mais. doente o que lhe está a faltar.
11
Abril 2017